Os
media, a rede e o poder.
O caso de beppegrillo.it
Una reflexión sobre la
política italiana sobre todo después de la victoria de Beppe Grillo
en las elecciones legislativas de febrero 2013. Donde se concluye que
si Berlusconi representa el último estadio de la sociedad mediática
y de la democracia del público, Grillo es, en el extraordinario
laboratorio político italiano, su sucesor, pero en el interior de un
nuevo y revolucionario paradigma comunicacional y político. Hemos
así pasado de los «catch all media» e de los «catch all parties»
a un nuevo modelo reticular de comunicación y de política: «catch
all net», con su nuevo modelo de poder, el poder diluido, en su
recuadro digital.
Una
riflessione sulla política italiana sopratutto dopo la vittoria di
Beppe Grillo nelle politiche del febbraio 2013, dove si conclude che
se Berlusconi rappresenta l’ultima fase della società mediatica e
della democrazia del pubblico, Grillo diventa, nel straordinario
laboratorio politico italiano, i suo successore, però all’interno
di un nuovo e rivoluzionario paradigma comunicazionale e politico.
Siamo, così, passati dai «catch all media» e dai «catch all
parties» ad un nuovo modello reticolare di comunicazione e di
politica: «catch all net», con il suo nuovo modello di potere, il
potere sciolto, nella sua cornice digitale.
Os factos
O que se passou nas
recentes eleições italianas de Fevereiro de 2013 merece uma
profunda reflexão. Porquê? Porque um movimento saído (quase) do
nada se transformou na primeira força política italiana. O
«Movimento
Cinque Stelle»,
de Beppe Grillo, obteve na Câmara dos Deputados 8.689.458 votos,
equivalentes a 25,55% do eleitorado que votou. Este resultado fez
dele a primeira força política italiana, à frente do Partito
Democratico (de
Bersani) e de Il
Popolo della Libertà (de
Berlusconi). Mario Monti («Rigor Montis», como lhe chama,
ironicamente, Grillo) ficou-se pelos 8,30%. Grillo e Berlusconi foram
os grandes vencedores das eleições. Tendo-se tornado um proscrito
do sistema televisivo, depois de ter contado na TV uma sarcástica
anedota sobre os socialistas de Bettino Craxi, o então
Secretário-Geral do PSI, Grillo fez da sátira política o centro do
seu discurso, nas praças, teatros ou pavilhões desportivos
italianos, mobilizando um público farto da classe política, daquela
«Casta» de que falam Sergio Rizzo e Gian Antonio Stella no livro
demolidor e de estrondoso sucesso «La Casta» (Milano, Rizzoli,
2007, já com 20 edições no mesmo ano). O seu blogue surge em 2005,
mas poucos anos depois já era considerado, por The
Observer
e pela Revista
Forbes,
um dos mais influentes do mundo. O movimento M5S é criado em 2009,
iniciando a sua movimentação nas eleições autárquicas e
reforçando cada vez mais o seu peso político (obteria 4
presidências de Câmara nas eleições autárquicas de 2012, entre
as quais a de Parma). Não se trata de um movimento qualquer.
Movimento da rede, vive da revolta ética e de uma retórica
cómico-sarcástica contra a classe política e contra o
establishment mediático. Nasceu, desenvolveu-se e consolidou-se na
rede: beppegrillo.it. Tal como Berlusconi, também Grillo se alimenta
da revolta ética, mas no interior de um novo paradigma: movimento
reticular, procura dar voz à novíssima onda dos «indignados». Do
que se trata é de algo muito forte que vem emergindo na sociedade,
sem que os agentes tradicionais (partidos) lhe estejam a dar a devida
atenção, não só incorporando esta nova lógica da comunicação,
sem fins puramente instrumentais, mas sobretudo reconfigurando-se
radicalmente em função do novo paradigma emergente e captando
eleitoralmente significativas faixas eleitorais provenientes quer do
centro-esquerda quer do centro-direita (nas autárquicas de 2012,
46,3% provenientes do centro-esquerda e 39% provenientes do
centro-direita - Corbetta e Gualmini, 2013: 10).
Catch all net
A verdade é que se
Berlusconi representou, a seu tempo, uma viragem relativamente à
forma tradicional de fazer política,
radicalizando o modelo mediático de comunicação política,
«catch
all media»,
que em teoria política se chama «catch
all party»,
e invertendo a fórmula clássica da relação entre a oferta e a
procura (a
procura passava a anteceder a oferta,
exactamente ao contrário do que acontecia na fórmula clássica)
agora, Beppe Grillo está a fazê-lo também, mas traduzindo em
política a emergência da rede nas nossas vidas e a sua
extraordinária capacidade de mobilização instantânea, apelando a
todos sob a forma de apelo a cada um, individualizado: «catch
all net».
Castells chama-lhe «mass-self communication», comunicação
individual de massas.
A rede permite a emergência
da singularidade
sem recurso a organizações, apoios, gatekeepers, dinheiro: «somos
todos jornalistas», diz Grillo. Requer simplesmente genialidade
individual, recursos intelectuais, criatividade, inovação na
narrativa. Grillo começa a propor formas de democracia
pós-representativa, ou seja, à medida que vai criticando a velha
forma de representação política separada («to change [Italy],
politicians have to be replaced by the citizens») propõe, no
programa político que apresentou aos italianos (veja-se
www.movimento5stelle.it
e www.beppegrillo.it), uma
«cidadania digital» obtida à nascença e concretizada através de
um acesso universalmente gratuito à rede: «cittadinanza
digitale per nascita, accesso alla rete gratuito per ogni cittadino
italiano».
Por outro lado, as decisões relevantes são postas à discussão no
sítio do M5S. Os temas - para além (a) da crítica às elites
políticas e mediáticas, (b) da promoção de uma cidadania digital
que substitua a velha representação centrada na separação
entre governantes e governados e
entre
produtores de informação e cidadãos, e
(c) da promoção da rede e dos instrumentos digitais como meios de
libertação - são mais próprios dos movimentos do que dos partidos:
água, ambiente sustentável, energia, transportes, desenvolvimento,
alimentos de qualidade, conectividade. Os cinco primeiros objectivos
correspondem, como diz Elisabetta Gualmini (Corbetta e Gualmini,
2013: 12), às cinco estrelas inscritas no nome de um movimento, o
M5S, que não é verdadeiramente um partido. Melhor: que é uma
não-associação, como se autodefine1.
Na verdade, o M5S, tal como o define o sítio do movimento (agora em
beppegrillo.it), é:
«una
libera associazione di cittadini. Non è un partito politico nè si
intende che lo diventi in futuro. Non ideologie di sinistra o di
destra, ma idee. Vuole realizzare un efficiente ed efficace scambio
di opinioni e confronto democratico al di fuori di legami associativi
e partitici e senza la mediazione di organismi direttivi o
rappresentativi, riconoscendo alla totalità dei cittadini il ruolo
di governo ed indirizzo normalmente attribuito a pochi».
Como
se vê, o M5S é uma «livre associação», ou seja, uma associação
aberta a todos os cidadãos, sem as mediações de estrutura próprias
de partidos ou associações que filtrem os actos de uma cidadania
livre, através de uma dinâmica representativa. À totalidade dos
cidadãos está confiada aquela capacidade de orientação e de
governo que antes estava confiada somente aos representantes. E
como? Através da Rede. O processo está descrito no «Codigo
de Comportamento dos Eleitos do Movimento 5 Estrelas no Parlamento»:
«L’obiettivo principale dei parlamentari eletti è l’attuazione
del Programma del M5S, in
particolare per i principi della democrazia diretta come il
referendum propositivo senza quorum, l’obbligatorietà della
discussione parlamentare con voto palese delle proposte di legge
popolare e l’elezione diretta del parlamentare».
Os
cidadãos poderão votar, na Rede (no Portal do movimento), propostas
de lei que, em certas condições, deverão depois ser apresentadas
pelo Grupo
Parlamentar do MoVimento:
«Le
richieste di proposte di legge originate dal portale del MoVimento 5
Stelle attraverso gli iscritti dovranno obbligatoriamente essere
portate in aula se votate da almeno il 20% dei partecipanti. I gruppi
parlamentari potranno comunque valutare ogni singola proposta anche
se sotto la soglia del 20%».
Não
há, pois, dúvida de que
o M5S se constituiu como um canal de comunicação da cidadania com a
mais alta instância do poder, da forma mais expedita de que há
memória, através da rede, dando uma nova configuração ao velho
procedimento de iniciativa popular, agilizando-o não só através da
funcionalização
do grupo parlamentar ao instituto da iniciativa popular,
mas também baixando drasticamente as exigências regulamentares, designadamente no número de intervenientes no processo - Portugal:
são necessários 35.000 eleitores intervenientes no instituto da iniciativa popular, designada por «iniciativa legislativa dos cidadãos» (n.º 1, art. 6, Lei 17/2003, de 4.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2012, de 24.07); Espanha: necessários 500.000 eleitores (n.º3 do art. 87 da Constituição espanhola); Brasil: necessário 1% dos
eleitores, distribuído por um mínimo de 5 Estados federados (§2 do art. 61 da Constituição brasileira) .
Se o instituto
da iniciativa popular,
tal como o referendo, era um instituto de democracia directa
enxertado no sistema representativo, esta prática do M5S parece
inscrever-se numa lógica inversa, a de usar instrumentalmente o
sistema representativo para introduzir em pleno a democracia digital
directa. «Obiettivo,
nemmeno tanto implícito», dizem Gianluca Passarelli, Filippo
Tronconi e Dario Tuorto, em «Una
rivoluzione democratica o solo un altro partito?»
(Corbetta e Gualmini, 2013: 123), «è quello di innescare una
rivoluzione democratica, improntata alla partecipazione diretta dei
cittadini nella gestione della cosa pubblica, in antitesi con il
modello di democrazia rappresentativa».
Democracia
digital
O M5S, por um lado,
não surgiu promovido pelos «media» e, por outro, não resultou
directamente de movimentos orgânicos. O «M5S», de beppegrillo.it,
é um movimento que nasceu, cresceu e se desenvolveu na rede,
sobretudo a partir do Meetup
de 2009,
sob a batuta do cómico-político, único proprietário da «marca»
«MoVimento 5 Stelle» («Il
nome del MoVimento 5 Stelle viene abbinato a un contrassegno
registrato a nome di Beppe Grillo, unico titolare dei diritti d’uso
dello stesso»), ainda que apoiado pela empresa de Gianroberto
Casaleggio, a «Casaleggio Associati», que lhe prepara e desenvolve
todo o processo organizativo e comunicacional.
A seu tempo, já fora muito estranho que um empresário de «media»,
através de uma auto-organização política desenvolvida ao longo de
cerca de nove meses, acabasse por chegar a Primeiro-Ministro,
rompendo com uma antiga tradição de separação
funcional entre gestão da economia e gestão política.
A sua retórica fora a mesma de Grillo: fora com os «politicanti
senza mestiere», os politiqueiros sem profissão! Uma retórica
fundada na revolta ética contra a velha classe dirigente devastada
pelo furacão de «tangentopoli», sobretudo democratas cristãos e
socialistas, mas fundada também na exigência de entregar a política
a pessoas que tivessem profissão fora da política. O mesmo que
agora reivindica, de forma mais radical e alargada, Beppe Grillo.
Berlusconi quis tirar a gestão política das mãos dos políticos
«sem profissão», entregando-a a profissionais de sucesso, como ele
próprio. Grillo quer entregar a política aos cidadãos, acabando
com a representação. O primeiro vivia no mundo dos «media» e, a
partir daí, fez o assalto ao Poder, concebendo a política como
«continuação do audiovisual por outros meios». Agora, o segundo,
que já vive no mundo da rede e que recusa também o establishment
mediático (no Código de comportamento dos eleitos do M5S no
Parlamento existe uma cláusula que aconselha os Deputados a evitar
os «talk shows» televisivos: «Evitare
la partecipazione ai talk show televisivi»),
quer acabar de vez com a representação política, transformando a
democracia italiana em «democracia digital». Se o primeiro ainda
via a política como assunto de elites, o segundo vê-a como assunto
de cidadãos ou, melhor, de internautas. Grillo fala de «cidadania
digital» e de acesso universal gratuito à rede. E o seu «spin
doctor», Gianroberto Casaleggio, até já publicou um vídeo com as
grandes linhas da nova utopia: «gaia - the future of politics».
(http://www.youtube.com/watch?v=sV8MwBXmewU
).
Conclusão
Não há dúvida que
o caso italiano confirma o que muitos vêm dizendo há muito tempo.
Ou seja, que a política não só já não pode prescindir da rede,
como também já não pode prescindir da lógica que a rede induz: a
lógica de um «poder diluído» (Jesús Timoteo) que é mais amigo
do indivíduo singular do que das grandes organizações, políticas
ou mediáticas. Pelo menos, no que diz respeito ao processo de
formação do consenso. Este processo já não pode ser abordado com
a lógica das grandes organizações, mas sim com a lógica da rede,
que é a do indivíduo singular e interactivo. Ou seja, a rede não é
um mero instrumento – igual aos outros – para chegar ao maior
número possível de eleitores. Ela é muito mais. Foi por isso que a
partir dela se começou a construir muitas utopias de democracia directa. O
M5S está a tentar fazê-lo no seu interior. Só que a coisa está a
revelar-se muito complexa, sobretudo após as recentes eleições
legislativas, quando o M5S foi convocado, de forma muito substancial,
à gestão de um poder institucional dotado de regras muito bem
definidas para o exercício do poder. Se é verdade que no processo
de construção do consenso a rede é cada vez mais decisiva, também
é verdade que não só a lógica de poder diluído que ela induz é
altamente problemática: (a)
quando se trata de gerir o poder institucional, (b)
com as regras que o próprio exercício decisional no interior das
instituições políticas supõe, (c)
com as teias de compromissos que a decisão política exige, (d)
com as malhas constitucionais que delimitam o alcance das decisões,
(e)
com os corpos sociais organizados em torno dos seus interesses e das
suas indiossincrasias e (f)
com a velocidade de decisão necessária e os imprevistos que sempre
acompanham o exercício do poder! A
experiência de Grillo será muito útil para se compreender a outra
face da Rede, ou seja, a do directo embate com a concreta gestão do poder. Se é claro o papel da rede no processo de acesso ao poder, já não é assim tão clara a conversão deste mesmo processo em termos gestão ou de exercício do poder institucional. E a grande questão reside numa simples palavra: representação.
__________
Bibliografia
Bibliografia
1.
Biorcio,
R. e Natale (2013). Politica
a 5 Stelle. Idee, storia e strategie del movimento di Grillo.
Milano: Feltrinelli.
2.
Bordigon,
F. e Ceccarini,
L., (2013). Five
Stars and a Cricket. Beppe Grillo shakes italian politics.
( http://dx.doi.org/10.1080/13608746.2013.775720
- acesso em 28.04.2013).
3.
Corbetta,
P. e Gualmini
(Org.) (2013). Il
partito di Grillo.
Bologna: Il Mulino.
1
«
Il “MoVimento 5 Stelle” è una “non Associazione”.
Rappresenta una piattaforma ed un veicolo di confronto e di
consultazione che trae origine e trova il suo epicentro nel blog
www.beppegrillo.it. La
“Sede” del “MoVimento 5 Stelle” coincide con l’indirizzo
web www.beppegrillo.it.
I
contatti con il MoVimento sono assicurati esclusivamente attraverso
posta elettronica all’indirizzo MoVimento5stelle@beppegrillo.it».
«Il
“MoVimento 5 Stelle” intende raccogliere l’esperienza maturata
nell’ambito del blog www.beppegrillo.it, dei “meetup”, delle
manifestazioni ed altre iniziative popolari e delle “Liste Civiche
Certificate” e va a costituire, nell’ambito del blog stesso, lo
strumento di consultazione per l’individuazione, selezione e
scelta di quanti potranno essere candidati a promuovere le campagne
di sensibilizzazione sociale, culturale e politica promosse da Beppe
Grillo così come le proposte e le idee condivise nell’ambito del
blog www.beppegrillo.it, in occasione delle elezioni per la Camera
dei Deputati, per il Senato della Repubblica o per i Consigli
Regionali e Comunali, organizzandosi e strutturandosi attraverso la
rete Internet cui viene riconosciuto un ruolo centrale nella fase di
adesione al MoVimento, consultazione, deliberazione, decisione ed
elezione. Il MoVimento 5 Stelle non è un partito politico né si
intende che lo diventi in futuro. Esso vuole essere testimone della
possibilità di realizzare un efficiente ed efficace scambio di
opinioni e confronto democratico al di fuori di legami associativi e
partitici e senza la mediazione di organismi direttivi o
rappresentativi, riconoscendo alla totalità degli utenti della Rete
il ruolo di governo ed indirizzo normalmente attribuito a pochi
(www.movimento5stelle.it
– Non Statuto)».
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