sexta-feira, 26 de junho de 2009

Toscani, a pós-publicidade e a Benetton


A história do albanês que viu, num «spot» publicitário italiano, um gato a comer num prato de prata e que, por isso, decidiu emigrar para Itália, pensando que, se assim era para os gatos, como não deveria ser para as pessoas, é bem elucidativa desse mecanismo de indução mediática de expectativas que se confundem com puras ilusões e que induzem comportamentos e modelam existências.

Este é, como se sabe, o universo da representação publicitária, cuja parte mais consistente reside na representação televisiva, naquela representação que induz um realismo tão quotidiano e tão banal que se torna por isso mesmo plausível, assimilável, facilmente digerível. Mas uma banalidade quotidiana tão imediata e repetitiva quão carregada de um romantismo, ou sentimentalismo, envolvente que a projecta para o universo do desejo (induzido).

(Publicidade)

E também aqui, neste universo da representação publicitária, poderemos fazer uma aproximação crítica da equivalência entre representação televisiva e representação ideológica. Precisamente neste mundo invertido da publicidade, onde o produto adquire a natureza de «fetiche» milagroso, capaz de nos oferecer este mundo e o outro, e valioso, não por qualidades intrínsecas, mas por qualidades e «atmosferas» que subrepticiamente a publicidade lhe associa. Em publicidade, um produto surge sempre associado a algo que nada tem a ver com ele. A algo que pode fascinar, atrair, espantar, fazer sonhar e que, por essa via, induz atracção por um produto que lhe está marginalmente associado. Também aqui se poderia falar de instrumento de opressão simbólica, de ilusão programada, de inversão substitutiva do valor de uso pelo valor simbólico. De fetiche. Ao qual Marx dedicou algumas admiráveis páginas.
Diz Oliviero Toscani: «qual é o melhor slogan publicitário de todos os tempos? É a palavra publicidade. É o mais eficaz e o mais mentiroso. Evoca coisas positivas, um serviço, uma coisa útil. Bem público, coisa pública, interesse público, opinião pública, meios públicos, autodisciplina são todos eles conceitos positivos que subentendem um interesse geral. Pelo contrário, nada há de mais parcial do que o interesse da publicidade, que não é mais do que uma propaganda comercial parcial sem contraditório» (1995: 40). A publicidade não trata do interesse público ou do interesse geral, mas de interesses de parte.
Não deixa de ser curioso que quem isto afirma seja o promotor de campanhas declaradamente publicitárias, mas com pretensões de validade moral universal.
Por isso falarei, de seguida, desta publicidade, bem mais sofisticada do que a que nos é oferecida exclusivamente pela televisão, para compreendermos melhor essa lógica da inversão ideológica que nela se insinua. Inversão da qual já procurei, em capítulo anterior, traçar o percurso histórico e os seus mecanismos de funcionamento interno. Aprofundando, pois, um pouco, julgo útil analisar o caso paradigmático de uma perfeita ideologia publicitária, porque representa um plano de fronteira da mediatização e, por conseguinte, da ideia de confiscação de direitos imediatos, logo eficazmente substituídos por simples direitos mediáticos, ou virtuais. Ideologia publicitária que, à semelhança da ideologia tradicional, associa subliminarmente grandes causas de valor moral e de interesse público a matérias da mais trivial e imediata consistência, provocando uma eficaz ilusão de relação causa-efeito e de universalidade, lá onde se trata da mais subjectiva escolha e do mais trivial uso: uma camisola de cromatismo exuberante, e moralmente correcto, que traz associada a si a marca do sucesso, da universalidade e da moral. Trata-se daquilo a que chamo a pós-publicidade de uma empresa, a Bennetton, e de um genial publicitário, Oliviero Toscani, também ele imerso, mas de forma bem original, na ideia de mediatização universal de produtos, agora através de causas e de princípios morais.

(United Colors of Benetton)

Para quem não saiba, Oliviero Toscani é um famoso publicitário italiano, autor dos célebres e polémicos outdoors da Benetton. «Ciao Mamma» é o título de um seu sugestivo livro de carácter autobiográfico, onde poderemos seguir o riquíssimo itinerário intelectual do autor, mas onde também poderemos seguir um fio condutor unitário que exprime, das mais diversas formas, o conceito do artista-publicitário sobre o discurso da publicidade. Discurso de altíssima actualidade e relevância, visto o universo sem limites em que o discurso publicitário intervém e os gigantescos recursos que nele são investidos. Em Itália, a despesa em publicidade é igual à despesa para a investigação industrial, maior do que os investimentos estatais destinados à educação, infinitamente superior aos investimentos na saúde pública Ou então: empresas há que gastam quase mais em publicidade do que na actividade empresarial propriamente dita. Mais: 80 por cento da facturação publicitária diz respeito a poucos sectores de largo consumo, com o objectivo de produzir quase sempre sugestões de carácter artificial ou ilusório em vez de informações úteis e verdadeiras (Toscani, 1995: 40-41).
E é aqui que reside o núcleo polémico.
A questão levantada por Toscani diz respeito à filosofia espontânea da publicidade convencional, que não transcende o mínimo denominador comum dos vulgares sentimentos ou impressões estéticas, que é conformista, que se limita a induzir competição com o produto congénere, do tipo «o meu produto é melhor do que o teu», em suma, que não transcende o puro discurso mercantil. Toscani, que no mesmo registo fustiga as agências publicitárias, elas próprias em busca desesperada de auto-publicidade, opera uma ruptura com o senso comum publicitário, propondo uma publicidade radical, em sintonia com a própria filologia do conceito (coisa pública, bem público, transparência, interesse público, opinião pública). Publicidade que, através de temas vitais, funcione como estímulo crítico, como discurso autónomo sobre as grandes causas, embora promovido pela «United Colors of Benetton», multinacional que decidiu, após anos de campanhas publicitárias convencionais, acabar com as agências publicitárias e «patrocinar», com esse orçamento e com a linguagem estética de Toscani, causas universais de grande valor moral. Foi assim que a relação da Benetton com a publicidade se remeteu à figura de simples «patrocínio» de grandes causas simbolicamente representadas em fotografias da autoria desse intelectual-publicitário e que abriu espaço para aquilo que poderíamos designar por pós-publicidade. SIDA, guerra, racismo, ecossistema, sexo, religião são os temas com que Toscani trabalha nas suas mensagens. Temas sempre apresentados de forma esteticamente muito intensiva e radical e em suporte fotográfico. De tal forma que provocam, sistematicamente, fortíssimas reacções provenientes dos mais variados sectores: críticas, anátemas, censuras, emoções. Quase sempre escândalo!
Poderíamos dizer que Toscani, usando um meio tradicional como a fotografia, superou a fronteira da publicidade convencional, alterou radicalmente os seus esquemas de referência, levou a sua linguagem a um ponto tal que parece tê-la catapultado decisivamente para o plano da arte politicamente empenhada. Mas sem se ter deslocado dos espaços onde a publicidade convencional vive e convive, do seu suporte tradicional. Sobre a fotografia, diz Toscani, em «Ciao Mamma»: «para mim, a fotografia tem a F maiúscula. Não a considero a parente pobre da pintura. E não me interessa uma evolução em direcção ao cinema. Nem sequer a televisão conseguirá fazê-la sair de cena. A fotografia permanece, e permanecerá por muito tempo, o núcleo de partida da imagem moderna» (1995: 11).

(Cromaticamente correcto! )

«Ciao Mamma» bem poderia ser, de facto, a frase «assassina» da publicidade a um par de jeans: a fotografia de um jovem, munido apenas de um par de jeans e de uma escova de dentes enfiada no bolso detrás, que parte para essa grande aventura libertária da vida, deixando atrás de si a recordação dos momentos de afectuosa protecção maternal. «Ciao Mamma!»: na companhia de um membro da Família Unida Benetton (ou de dois, se a escova de dentes também for produzida pela empresa) «parto com segurança e com valores de referência para essa grande aventura da vida, onde a comunidade certa é constituída pela equipa que veste a camisola do clube cromaticamente correcto Benetton!».
Toscani, com efeito, conduziu durante muitos anos, com enorme sucesso, à escala mundial, a publicidade da empresa italiana de vestuário, e derivados, Benetton. Com enorme sucesso, é verdade, pois já está presente em mais de cem países e declara um movimento de três biliões de marcos (Doenhoff, 1995), mas também marcada por planetárias polémicas geradas pelo arrojo estético e moral, apesar de simples, das suas propostas publicitárias. A fórmula originária e genérica que funda e que está presente em todos os produtos publicitários é simplesmente fabulosa. «United Colors of Benetton» alude - nem sequer subliminarmente -, evoca e decalca o forte simbolismo contido na designação nacional americana, United States of America: o mesmo número de palavras, a mesma ordem, o mesmo início. A sugestão de uma mesma matriz. O mecanismo desencadeado por esta associação é o do funcionamento por analogia: sucesso, poder, liderança, afirmação.
Trata-se, logo aqui, como se vê, da mais pura ilusão ideológica: a alusão aos USA induz, subliminarmente, quem usa produtos Benetton a assumir-se como pessoa de sucesso, de poder, forte e afirmativa. Uma camisola cromaticamente correcta é índice de sucesso!

(Efeito de estranheza)

Toscani, partindo daqui, rompe com a fórmula publicitária tradicional - que tende dominantemente a envolver a mensagem directa com ambientes de matriz sentimental, romântica ou utópica - e cria efeitos simbólicos de choque, produz imagens que questionam, com radicalidade de ruptura, os grandes temas que atravessam a vida nas sociedades modernas: um padre que beija uma freira, a farda manchada de um soldado bósnio morto (que não é de marca Benetton), um pássaro a boiar numa poça de petróleo derramado, um recém-nascido ensanguentado e ainda preso pelo cordão umbilical, inúmeros preservativos que esvoaçam, cruzes de um cemitério, «Hiv positive», etc., etc.. «É claro que Toscani abala alguns tabus, mas a nudez que expõe é simplesmente humana», diz dele Thévenaz. «É exactamente esta a sua intenção: a objectividade anti-sentimental», sublinha este historiador de arte (Thévenaz, 1995). O anti-sentimentalismo constitui, com efeito, a marca de ruptura com a publicidade convencional, com o efeito de adesão sentimental ao produto, com a fantasia induzida pelo mecanismo da anestesia simbólica. O que ele propõe é, pelo contrário, a distanciação crítica, uma espécie de Entfremdungseffekt, de efeito de estranheza, de vaga ou longínqua inspiração brechtiana. Ou, muito simplesmente, um efeito de choque que provoque reflexão crítica induzida pela «vivacidade» da imagem proposta sob o «alto patrocínio» das Cores Unidas da Benetton.
Todas estas são mensagens de ruptura radical, de oposição em relação a ordens ou desordens provocadas pelos poderes convencionais ou naturais: o poder religioso, a guerra e a agressão ambiental (neste caso, originada pela Guerra no Golfo), a questão demográfica, a SIDA. Trata-se também de mensagens com forte apelo emocional e psicologicamente desestabilizadoras para quem está habituado a ver a realidade com as lentes policromáticas dos romances cor-de-rosa publicitários convencionais e a quem é sugerido um subreptício cromatismo de vago sabor crítico.
E, todavia, estas mensagens possuem uma fortíssima valência substantiva, tocam profundamente a sensibilidade existencial e colectiva, questionam-nos. Mas, tratando-se claramente de publicidade, também é verdade que transportam consigo um «pecado» original, um indício pecaminoso, um indício de interesse privado em causa pública: o interesse na expansão comercial das Cores Unidas da Benetton, através da instrumentalização, com fins dominantemente lucrativos, de temas que tocam profundamente as sensibilidades individuais e colectivas e que possuem essencialmente uma valência pública. Não que o mercado seja pecaminoso. Mas, seguramente, porque, estando em jogo causas tão substantivas e determinantes para o futuro da Humanidade, parece ser justo exigir que estas causas se constituam como fins absolutos, assumam uma valência absoluta, isto é, não sejam referenciáveis a nenhum outro valor que não seja o que elas próprias evidenciam e exigem imperativamente. Pelo contrário, o que aqui se verifica é uma promiscuidade intolerável entre o que deveria ser moralmente absoluto e o que é comercialmente relativo. Entre o que questiona a essência do que é justo socialmente e o que se revela tão-só comercialmente lucrativo. Trata-se daquele mecanismo que já identifiquei como ilusão e inversão ideológica: onde a causa deve ser um fim de si própria surge como simples manto ou cobertura moral de um banal produto comercial que é absolutamente estranho às causas a que alude. A causa moral surge como mero instrumento de promoção comercial de produtos moralmente neutros. Assim funcionam os mecanismos publicitários em geral, independentemente dos conteúdos.
A crítica que vale para a pós-publicidade vale, pois, para a publicidade televisiva, mais laica, mais relativa, mais comezinha, mas nem por isso menos eficaz e menos «subversiva». A primeira mais crítico-conceptual, a segunda mais sentimental e romântica. É que a pós-publicidade dota-se de uma armadura de combate ideológico pronta a reunir todos aqueles que se vestem de forma cromaticamente correcta. Uma lógica que funciona de forma plenamente invertida, já que é a força das causas que funciona como factor de coesão de todos os que acabam por se reconhecer no cromatismo moral e anti-sentimental da Benetton, sendo que, afinal, é essa mesma Benetton que patrocina as causas propulsoras desse cromatismo moralmente correcto. Não é a Benetton que leva às causas, mas as causas que promovem a Benetton.
A publicidade televisiva funciona de forma mais laica, mais trivial, induz analogias sentimentais, de sucesso e de eficiência. É uma publicidade mais pragmática, sem deixar de aludir a valores sociais, existenciais e instrumentais, operando sempre de acordo com o mecanismo da inversão ideológica: lembro a publicidade televisiva a um pão de longa conservação que é distribuído, regularmente, todos os dias, de manhã cedo, à hora do pequeno almoço.

(A Guerra do Golfo)

Toscani terá dito que foi a Guerra do Golfo que o levou a formular o novo quadro em que passaria a formular a publicidade do futuro. A publicidade social e historicamente empenhada. Logo, um momento histórico único como fonte de inspiração e de responsabilidade planetária acrescida. Ele passou a querer mostrar «o que une e separa as pessoas», através da exibição intensiva dos grandes cinco temas da existência: o sexo, a religião, a raça, a vida e a morte. Sem mediações. Com uma técnica intencional de brutalização da comunicação. Provocando emoções fortes sobre o cidadão consumidor da publicidade de larga escala, para que esse mesmo consumidor se transformasse em consumidor dos produtos Benetton.
A filosofia de Toscani revela-se, através da estética da comunicação publicitária mediante fotografia, fortemente criativa, competitiva e esteticamente revolucionária. Volta a dar à fotografia algo que ela estava a perder em face de poderosos adversários. Em particular do adversário televisivo, assumido aqui, implicitamente, como simples extensão subalterna e residual da operação pós-publicitária, isto é, como simples sistema difusor subalterno da mensagem cromaticamente correcta de que todos falam.
E a verdade é que este publicitário, com a sua mágica fórmula fotográfica, tão discutida e posta em causa em todo o mundo, conseguiu ser talvez a peça fundamental do enorme empório que é hoje a Benetton. Uma empresa que fascina não tanto pelas formas e pelas cores que produz quanto pela imagem que de si mesma conseguiu criar. Como que a demonstrar que, hoje, a imagem é tudo e o produto nada. Ainda que alguns, aplicando a lógica do boomerang, já comecem a falar, com razão ou sem ela, de crise. Uma crise que se fundaria mais na derrocada de uma determinada fórmula publicitária do que na necessidade, bem mais prosaica, de agasalho e de culto da arte de bem vestir. Boomerang que dá bem conta deste efeito de inversão que cada vez mais assalta o nosso quotidiano: consumimos não segundo a lógica do uso, mas segundo a lógica da troca e, finalmente, a lógica das comoções induzidas pela força matricial da fotografia ou pela força trivial da televisão.

(Pós-publicidade)

Toscani opera com uma distinção fundamental entre a publicidade convencional e aquilo a que chamo pós-publicidade: aquela idealiza e absolutiza as virtuais qualidades do produto; esta limita-se a associar, não o produto, mas a própria marca («United Colors of Benetton») às grandes causas, tal como nos são propostas pelo artista-publicitário, em suporte fotográfico e sob o pressuposto de que a fotografia se mantém como o núcleo de partida da imagem moderna.
Não se comunica, pois, o produto ou os produtos, mas a marca. O que já constitui uma revolução em relação à publicidade convencional. Mas, depois, a própria comunicação publicitária é proposta de forma somente alusiva, onde a mensagem fundamental é uma grande causa social, totalmente autónoma em relação ao produto e à marca. Esta limita-se a aparecer associada, na medida em que se revela como simples patrocinadora. Toscani diz que o novo modo de fazer arte no mundo tecnológico de hoje é precisamente aquele que não recusa a contaminação com a cultura de massas, da qual a publicidade é uma das expressões mais visíveis. O conceito nem parece ser muito original: lembremo-nos, por exemplo, da obra de um Andy Warhol, com quem, de resto, Toscani conviveu. Mas que a caminhada de Toscani tem um sentido profundo foi reconhecido pelo Pasolini dos «Scritti Corsari» quando analisou o famoso slogan dos «Jeans Jesus» e o considerou como algo surpreendentemente inovador: «o seu espírito, disse então Pasolini, é o novo espírito (muito antecipado) da segunda revolução industrial e da consequente mutação dos valores» (Pasolini, 1975: 17). E estávamos em 1973, em plena era do slogan, quando Toscani ainda não se tinha desprendido completamente da lógica publicitária convencional. Mas, agora, que esta comunicação publicitária se reduz à forma do patrocínio e se fixa em temas ou causas de significado social, como o beijo entre um padre e uma freira, uma mulher negra que amamenta uma criança branca, uma recém-nascida (Giusy) com o cordão umbilical, um moribundo (David Kirby) de SIDA, uma nuvem de preservativos, as cruzes de um cemitério, a farda do soldado conhecido Marinko Gagro ensanguentada, agora, dizia, a inovação é radical, sendo certo que Pasolini poderia ver confirmado o seu diagnóstico de então.
Num registo hiper-realista, um pouco cínico e sem pretensões de carácter conceptual, as questões que poderíamos pôr a Toscani são as seguintes. Vocês fazem este tipo de publicidade porque querem limpar a consciência? Porque têm uma moral dupla? Porque querem redimir o mundo? Ou, simplesmente, porque o que pretendem é, tão-só, fazer com que falem da Benetton, para mais e melhor vender? O que vocês fazem não é pura e simples ideologia instrumental? Mas se, antes, a ideologia sempre surgia associada à nobre política, assim, não fica despudorada e directamente ao serviço de mesquinhos interesses comerciais que nada têm a ver com as causas que apregoam? Não estão vocês a instrumentalizar causas de grande valor moral? E, assim fazendo, a dignidade da vossa pós-publicidade não resvala para o cinismo?
Benetton não é um santo e a sua empresa não é um agência de causas morais. O crítico também não é parvo. Mas o facto é que a publicidade de Toscani assume esta forma diferente. Não fala de si nem dos seus produtos. Fala de grandes causas ( de resto, já em circulação nos media), provocando grandes escândalos, porque a sua linguagem em vez de estilizar e idealizar a sensibilidade comum, agride-a e fere-a, provocando reacções de carácter interactivo, isto é, acabando por transformar o destinatário num sujeito (re)activo. (Re)activo, sensível à mensagem, logo potencial aderente a esse clube patrocinador de causas morais que, por acaso, se chama Benetton e que, também por acaso, vende produtos de vestuário e afins. No meu entendimento, também não é por mera coincidência que Toscani trabalha com corpos (ou com objectos simbólicos que para eles remetem, preservativos que esvoaçam ou cruzes de um cemitério), procurando reconduzi-los a uma pureza originária e dando, assim, relevo a uma intimidade partilhada em comum, a do corpo. Reduz as diferenças ao mínimo, ao detalhe, fazendo sobressair aquilo que é comum, provocando uma «relação física» anterior aos hábitos, às crenças, ao vestuário. Como diz Thévenaz : «para dar consistência à ideia das Cores Unidas, era necessário inserir o corpo humano». «Os personagens de Toscani são seres humanos idealizados (...) que não têm outra individualidade senão algumas diferenças formais: o penteado, a pele, a forma ou a cor dos olhos, as linhas de um rosto ou de um seio. E, em homenagem, uma camisola vermelha ou amarela da Benetton...» (Thévenaz, 1995). Não é, pois, inocente esta opção pelo corpo, já que ele é o destinatário dominante da actividade produtiva da Benetton, independentemente de qualquer diferença formal que se verifique nesse corpo, já que a Benetton possui uma linguagem universal por todos compreensível, a linguagem da cor.
A fase em que Toscani pretende não só mostrar o que une as gentes, mas também o que as separa, recorrente depois da Guerra do Golfo, esbate um pouco este afunilamento em direcção ao corpo que veste Benneton e suscita sentimentos de compaixão e intensidades dramáticas. Com diz Thévenaz, Toscani, neste registo, vê-se ultrapassado pela necessidade de um registo que não seja tão publicitariamente correcto, tão estilizado, tão formal. Por isso tem de recorrer a trabalhos de outros autores, por exemplo, a reportagens fotográficas, que o impedem de praticar um estilo esteticamente tão depurado. Mas, mesmo assim, a intensidade dramática que envolve esta mensagem de Toscani é uma mensagem dramaticamente correcta, universal, por todos compreensível e com profundo significado moral. Sempre se trata de corpos, mas em situação limite. A Benetton pode assim aproximar as gentes pelo sofrimento-limite, pelo drama de fronteira e exercer essa sua função de promotora universal de causas morais, de consciência crítica, de exemplo. Um exemplo que, como todos os exemplos, deve ser seguido: comprando.
Com esta incursão pela pós-publicidade de Toscani pretendo reforçar, com a análise de um caso concreto, a lógica ideológica da publicidade, a compreensão do mecanismo da inversão ideológica e os efeitos desejados que ela procura provocar nos sujeitos (a ela). E porque razão o faço num livro sobre a televisão? Porque a publicidade televisiva, que se desenvolve com conteúdos menos sofisticados do que os de Toscani, mas que se desenvolve obedecendo à mesma lógica e aos mesmos mecanismos subliminares, constitui a exclusiva fonte de rendimento da televisão, constituindo-se como sua componente fundamental. De tal forma que ela se vem desenvolvendo como fonte de fantásticas produções criativas, quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista estético.
Por mais que a publicidade possa surgir como arte publicitária nunca ela deixará de funcionar estrategicamente de acordo com o desejo de vender mais e ao melhor preço, de estimular a compra e de construir ilusões estimulantes em torno do produto. Por isso, ele sempre manterá uma lógica oculta que possui uma clara afinidade com a lógica interna da ideologia, através dos mecanismos da ilusão e da inversão simbólica. Uma afinidade que chega a tocar a evidência. A estrutura da publicidade televisiva não se afasta desta sofisticada forma de publicidade pós-publicitária. Só que tem menos pretensões intelectuais e morais e é, directamente, pela força e características do meio, mais ilusória, ao produzir aparentes efeitos daquele realismo sentimental de que a pós-publicidade se procura afastar. Mas talvez por isso mesmo pudéssemos falar de um efectivo realismo televisivo capaz de se sobrepor na nossa imaginação ao realismo empírico cada vez mais residual ou periférico, como gosta de lhe chamar Virilio (1998: 21). Realismo televisivo que, na publicidade, surge apoiado no pragmatismo do produto. Publicidade que surge como plausível e que concretiza em imagem aquilo que poderemos ou não poderemos ter, mas que seguramente podemos ver e sentir simbolicamente como nossa. Perante a publicidade televisiva somos todos iguais, materializando-se, assim, de forma simples, aquele igualitarismo que a ideologia consumista representa e promove.
À custa do hiper-realismo cromático e romântico da mundividência televisiva bem se pode dizer que o produto televisivo é mais real do que o produto real. Porque está sempre presente, acessível a um olhar sem limites. E porque pode preencher admiravelmente o vazio existencial que se vai apoderando das nossas vidas urbanizadas e atomizadas. E, porque funciona como a ideologia, a televisão gera adesão automática (nunca se questiona a televisão quando diariamente a acendemos), um vago sentimento de pertença a essa cosmopolis dos espectadores e dos consumidores. Sentimento de pertença que resulta do facto de todos sentirmos em uníssono as emoções do vídeo, sob um mesmo registo e em simultâneo, de todos podermos, no dia seguinte, falar do que todos vimos. Que exemplo mais evidente e corriqueiro do que esse futebol que cada vez mais enche o vídeo que todos adoramos, esse oráculo perante o qual todos nos prostramos, emocionados, tantas vezes até às lágrimas. Tantas vezes também prostrados em redor de causas morais, afinal, divulgadas e publicizadas porque geram audiência, logo entradas publicitárias, mais poder e mais dinheiro para os grupos que controlam as televisões. Também aqui se trata de cromatismo, de hipercromatismo, mesmo que não seja tão moralmente correcto como o cromatismo da Benetton.
O cromatismo publicitário induz ilusão, inverte a ordem dos factores, contrai numa fórmula o espaço e o tempo da relação de consumo, mediatiza a nossa relação com os objectos de consumo, sobrepondo-se à relação pragmática que deveria comandar esta relação.
Ele constitui uma síntese perfeita do módulo cognitivo televisivo.
Também na publicidade, como na televisão, são poucos os que falam e mostram e milhões os que ouvem e vêem. O cromatismo moral ou romanticamente correcto da publicidade sobrepõe-se à trivialidade do produto, induz adesão acrítica e emotiva. Adesão interior, quando esse interior já está ocupado por um cromatismo moral ou romântico que envolve os produtos como o seu contexto ambiental. A publicidade mediatiza a nossa experiência interior, substituindo-se-lhe.
Jerry Mander, comentando as posições críticas que a Internacional Situacionista sustenta em relação à sociedade do espectáculo, afirma: «autores como Guy Debord descrevem a sociedade capitalista como um conjunto de seres recriados para viverem a vida como uma representação. Compara esta sociedade com outras, não movidas pelo lucro e, por conseguinte, sem necessidade ou desejo de expropriação da experiência interna. O papel da publicidade, segundo os situacionistas, visa criar um mundo de espelhos nos quais as pessoas possam obter novas imagens de si próprias, imagens essas adequadas aos objectivos do sistema em geral. Através dessa função reflectora e da consequente expropriação da experiência interior, a publicidade transforma as pessoas em espectadores das suas próprias vidas. É a alienação em último grau. A própria vida transforma-se em espectáculo. Ao penetrar no âmago dos seres humanos, nos nossos recônditos não colonizados, a publicidade extrai e revela esses sentimentos, vendendo-os de novo como minério extraído da terra. Os nossos sentimentos íntimos são assim metamorfoseados, tornando-se mercadorias. Procuramos desesperadamente reavê-los e pagamos preços elevados por tal privilégio. Os situacionistas têm razão» (Mander, 1999: 162-163; sublinhado meu). Ou, como diz o próprio Debord: «no mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso» (Debord, 1992: 19).

Bibliografia.

DEBORD, G. (1992) La société du spectacle, Paris: Gallimard.
DOENHOFF, Marion Graefin. (1995) Toscani: i colori del declinio, in «Reset», 23, Roma.
MANDER, Jerry. (1999) Quatro argumentos para acabar com a televisão, Lisboa: Antígona.
PASOLINI, Pier Paolo. (1975) Scritti corsari, Milano: Garzanti.
THÉVENAZ, Michel. (1995) Quel fotografo è solo un venditore, in «Reset», 23, Roma.
TOSCANI, Oliviero. (1995) Ciao Mamma, ti mando un bacio, Milano: Mondadori
VIRILIO, Paul. (1994) Lo schermo e l’oblio, Milano: Anabasi.

[Extracto de: João de Almeida Santos (2000) Homo Zappiens, o feitiço da televisão, Lisboa, Editorial Notícias]

Ciberdemocracia ou gaiola electrónica?

O convite que me foi feito para convosco fazer algumas reflexões sobre aquilo que vai sendo designado por «ciberdemocracia», mas a que eu prefiro chamar «democracia electrónica», foi feito sob o signo da Internet. Com efeito, foi através de um meu pequeno ensaio sobre «A democracia electrónica no reino da pós-política», publicado na Revista electrónica «Babel», que a Prof.ra Regina Campos Moreira teve conhecimento deste meu interesse pela matéria.


(Comunicações, relações e mecanismos electrónicos)

Tema fascinante e obrigatório, porque já não é, hoje, possível reflectir sobre a questão da democracia sem um confronto sério com a questão da presença da microelectrónica nas estruturas e na lógica de funcionamento das sociedades.
Em primeiro lugar, no plano da comunicação política: a televisão, sofisticado produto da microelectrónica, tornou-se hoje um verdadeiro espaço público sem fronteiras.
Em segundo lugar, no plano da configuração da vontade política institucional, é já possível prever a constituição de um sistema de consulta eleitoral centrado na electrónica, no voto electrónico, como, aliás, hoje vimos.
Em terceiro lugar, as nossas vidas começam a decorrer em sistema de intercâmbio electrónico, tornando, por isso, possível uma eventual vigilância electrónica, cada vez mais difusa, de todos os nossos percursos - o que representaria uma certidão de morte da própria democracia.

É sobre estas três questões que vou fazer algumas reflexões.
Começo pela televisão.

E iniciaria dizendo que um espectro paira sobre a Europa: a microelectrónica.
Gloso o Manifesto de Marx porque as consequências da invasão electrónica sobre das nossas vidas começam a ser enormes, gerando apologias e críticas. Dou um exemplo. Os telefones celulares revolucionaram radicalmente os espaços convencionais da comunicação: comunica-se instantaneamente a partir de qualquer ponto do planeta e em qualquer situação. Do transistor à televisão digital: tudo isto se desenvolve em pouco mais de cinquenta anos. O transistor estilhaçou os espaços comunitários da audição rádio. A televisão foi considerada a caixa que mudou o mundo. O universo televisivo justapõe-se cada vez mais ao real. A tal ponto que, no plano da comunicação, se pode dizer que só é real o que é televisivo, numa progressiva contracção do espaço público no pequeno visor ou tele-visor. A verdadeira praça pública, a velha agorá grega, transformou-se em praça televisiva. Com uma precisão inacreditável: com a televisão digital podemos fazer o mesmo que os gregos faziam: informarmo-nos da coisa pública e, ali mesmo, decidir, pondo, não uma mão, mas um voto no ar, no éter - um e-voto. A velha praça ficou reduzida ao conceito de vizinhança territorial, tornando-se puramente residual, quando não assumida pelo sistema televisivo. Do ponto de vista da comunicação, o espaço e o tempo sofreram, de facto, um poderoso efeito de contracção: eventos distantes deslocam-se instantaneamente para o interior do mesmo ecrã digital, através do qual poderemos também decidir, isto é, formar constantemente a vontade política institucional. As sondagens já hoje fazem um pouco disto. Mas o voto electrónico, vinculativo, poderá implicar uma complexa e delicada mutação das próprias regras substanciais da democracia ou mesmo uma sua mudança genética.
Os efeitos da microelectrónica projectam-se na informática, na robótica industrial e na Rede. A um ponto tal que já se fala de terceira «revolução industrial»: daquela que vai colocando os sistemas electrónicos nos lugares que ontem estavam ocupados pelos homens. Visite-se a Fiat ou a Volkswagen: onde ontem estavam enormes massas de operários hoje estão cadeias de robots e os chamados «condutores», de bata branca, não azul, que vigiam as cadeias de robots.
Hoje, em televisão, já temos o chamado redactor tecnológico, o «one man band», o redactor multi-usos, aquele que, sozinho, produz toda a notícia tal como chega ao espectador: palavras e imagem.
Quanto à Internet, lembremo-nos dos efeitos devastadores que, em todo o mundo, provocou o vírus I LoveYou, suscitando uma inibição generalizada nas relações telemáticas: tende-se a não ter relações com desconhecidos e usa-se aquele preservativo electrónico que vulgarmente é designado por anti-virus. A metáfora da sida colhe, de facto, muito bem. Mas as possibilidades da Rede, como vimos esta manhã, alargam-se ao campo técnico-eleitoral. Hoje, com efeito, já seria possível, se aperfeiçoados os sistemas de controlo, exercer o voto por via electrónica: cada cidadão dotado de um computador com Internet, ou de um simples telefone celular, poderia votar, a partir de casa, em qualquer eleição: autárquica, legislativa ou presidencial.
À parte o delicado mecanismo da comprovação da autenticidade do voto - mas lembremo-nos dos pagamentos via Internet -, por-se-á, todavia, aqui o delicado problema da sua cadência, do seu prazo de validade, vista a enorme agilidade do sistema. Poder-se-ia, no limite, e sem custos relevantes, pôr o cidadão em condições de votar várias vezes no ano, entre referendos cada vez mais frequentes e eleições propriamente ditas. Poder-se-ia passar gradualmente da clássica democracia representativa para aquilo que alguns já designam por «directismo», uma versão electrónica da democracia directa. Poder-se-ia mesmo sufragar permanentemente as grandes decisões políticas.

Passo, por isso, a pôr, com alguma radicalidade metodológica, algumas questões que podem resultar de um excessivo optimismo em relação ao uso dos novos meios electrónicos que são postos ao serviço da democracia, sem esquecer que os perigos não passam só pelo uso excessivo dos meios.

A questão que se põe é se o sistema democrático é compatível com esta cadência do voto. O cidadão, votando permanentemente, não tornaria o voto excessivamente volátil? Não o banalizaria? Não se perderia aquela «aura», aquela solenidade e aquele sentido comunitário que sempre acompanha o acto de votar? E não se estaria a esvaziar permanentemente a própria dimensão representativa do voto? Não se iniciaria um processo desgastante e inconsequente de contínua revogação da autoridade (no sentido de autoria, de interpretação) que se deve exprimir na representação política?
A ser assim, como facilmente se compreende, a estrutura clássica da democracia representativa não começaria a sofrer uma radical mutação genética. E, a assim sendo, o novo sistema estaria em condições de nos garantir melhor qualidade democrática? Seria este o melhor modo de resolver a tão falada crise da representação?
Se assim fosse, as campanhas eleitorais decorreriam na praça pública electrónica e o momento do voto consistiria em abrir o computador e enviá-lo via e-mail. Tudo sem sair de casa. Com a televisão digital, a chamada televisão inteligente, tudo poderia ser ainda mais simplificado uma vez que ela integrará a Internet num só aparelho.
Se elevarmos tudo isto a sistema acabado, e é neste registo radical que estou a reflectir, o cidadão, a partir de casa, poderá fazer praticamente tudo: fazer compras, pagar impostos, trabalhar (teletrabalho), informar-se abundantemente, comunicar, votar.
Estamos de facto perante uma enorme revolução. Com as suas vantagens e os seus perigos.
O universo que se abre à frente do cidadão é infinito, mas o perigo é que, de tanta abundância, a nossa existência se torne cada vez mais irreal. Como diz Sartori: nasce um cidadão com uma enorme cabeça e um corpo atrofiado, que, por sua vez, poderá também gerar o atrofiamento da própria cabeça?
E esta democracia garantirá estabilidade e tempo de governação? Não entraremos assim numa perigosa banalização da politica? O cidadão tem condições - já que os meios existem - para decidir politicamente com tanta frequência? A democracia é compatível com a permanente revogação imaterial da representação? E os meios cognitivos de que dispõe são suficientes para se pronunciar permanentemente sobre complexas questões que não domina? Se a sua fonte de informação e de aprendizagem privilegiada é a televisão, ela está em condições de instruir suficientemente o cidadão para a decisão recorrente? Não se fica o saber televisivo pelo plano da opinião? Ver equivale a compreender e a saber? A divisão do trabalho, que parece estar na origem da exigência da representação, deixou de existir ou, pelo menos, pode ser superada pela abundância e pela agibilidade dos meios electrónicos? A abundância de meios gera automaticamente abundância de saber? Finalmente, não correremos o risco de criar um infernal círculo vicioso, sem progressão plausível, entre decisões políticas e sufrágio permanente, com prejuízo para as grandes opções de reforma e para o tempo próprio da execução?
A questão consiste em saber se é possível uma democracia directa de natureza electrónica, num sistema de mandatos imperativos permanentemente revogáveis.
O excesso de meios não poderá produzir, neste caso, atrofia de fins?
Mais plausível, mas por isso mesmo mais perigoso, é a aplicação deste sistema a esse instrumento de democracia directa, que é o referendo. Sendo tão plausível a aplicação do voto electrónico aos referendos não surgirá o risco de irmos substituindo involuntária e progressivamente a democracia representativa pelo referendo electrónico, recorrendo a ele com excessiva frequência?
E a razão electrónica é automaticamente compatível com a razão democrática? O tempo da razão instrumental é automaticamente convertível na temporalidade própria da existência individual e colectiva? Ao cidadão recolhido na intimidade electrónica não incomodará o ruído próprio da exterioridade democrática e o peso insustentável da sua própria existência física? E os governos não serão obrigados a submeter permanentemente as suas opções políticas a sufrágio, com prejuízo para a responsabilização política e para o distanciamento estratégico?
O democratismo electrónico não poderá anular irremediavelmente a democracia representativa?


(Ver para crer ou para esquecer?)

A questão da televisão remete-nos, inevitavelmente, para uma velhíssima máxima, «ver para crer», que nos tempos modernos ganhou um novo significado. Ela, na origem, significa aferir da verdade através da visão, do acto-de-ver-algo – que é o verdadeiro sentido originário de «ideia» -, experimentação visual, relação física com o evento. Ela remonta aos tempos primordiais da civilização rural, do comunitarismo, do domínio da imagem sobre essa dimensão simbólica que se exprime na linguagem escrita. «Ver para crer» talvez esteja mesmo, na hierarquia do saber, antes daquela que era considerada, se não erro, por Espinosa, a mais primária forma de conhecimento: o saber por ouvir dizer. Por uma simples razão: ouvir dizer implica, antes de mais, a actividade de contar, de narrar, de representar algo através de um elemento abstracto, que é a palavra, logo, implica uma recíproca actividade reflexiva e de decifração. Antes de mais, implica conhecimento de, pelo menos, uma língua. Ver é um acto imediato, empírico, instantâneo. E pode, por isso, não implicar nenhuma mediação, nenhum acto de natureza mais reflexiva. «Ver para crer»: só acredito naquilo que vejo. É, no seu sentido originário, a mais primária de todas as formas de conhecimento. A visão, por si, não gera espontaneamente reflexão, sendo que a reflexão pode dela prescindir.
Outra coisa mais sofisticada é o ver moderno, a tele-visão. A visão à distância, sem contacto directo com o facto. E que nos é fornecida por uma pequena caixa que já transformou o mundo e que fala através da imagem. Aquela caixa que se impôs ao ouvir dizer. Que o substituiu. E que transformou o ouvir dizer em ver dizer. Ou seja: a palavra ao serviço da imagem. Mas de uma imagem elaborada, trabalhada, feita para convencer e para impressionar. Exemplo disso é a publicidade.
Giovanni Sartori diz, em livro recente, que o «Homo Videns» se sobrepôs ao «Homo Sapiens» e que a cultura visual se sobrepôs à cultura escrita. Hoje, o «Homo Videns», integrando apressadamente a vontade de saber através da visão, está a dar origem a um inacreditável ser híbrido a que eu chamo «Homo Zappiens», esse homem que, querendo ver tudo, acaba por não ver nada, nem nada saber.
A questão é mais sofisticada: se a visão naturalista era subsidiária de um real empírico, a visão electrónica é elaborada a partir de um centro emissor de imagens, obedece a uma estratégia racional e esteticamente elaborada e tem um sentido subjectivamente pré-determinado. É fonte de comodidade e de passividade perceptiva.
Alguém dizia, falando da televisão digital, da televisão interactiva, daquela que funde a Internet com a televisão convencional, que ela representa uma superação desta passividade perceptiva induzida pela televisão convencional, já que combinava duas lógicas completamente distintas: a lógica do sofá, colectiva e própria da televisão convencional, e a lógica da secretária, individual própria da web. Uma, representando o lazer, a passividade, a outra, representando o trabalho, a reflexão. Uma, passiva, a outra, activa.
Assim sendo, a televisão digital seria o instrumento perfeito já que permitiria integrar a componente passiva e a componente activa, a visão e a reflexão, o ver e o saber. Só que o ver à distância, o ver passivo, induz um comportamento distensivo, de relax, virado mais para o esquecimento do que para a acção. Nele, a lógica do sofá, que é mais comunitária, sobrepõe-se à lógica da secretária, que é mais individual, porque «navegar na web não é uma actividade colectiva, mas uma actividade individual», ou melhor, «navegar na Web» não é um entretenimento colectivo, como o é a televisão, mas uma actividade individual». Ou, ainda, broadcasting versus websurfing: alternativa que, todavia, pode ser superada pela push technology, possível com a nova televisão inteligente. Só que, assim, a televisão digital torna-se um trabalho individual e sai fora da sua própria natureza.


(A democracia televisiva)


Não é difícil compreender a importância da televisão, e do respectivo módulo cognitivo, na democracia. Há já quem fale de democracia televisiva. Paul Virilio, referindo-se a Berlusconi, falou de «Golpe de Estado mediático». Só é real o que é televisivo. As agendas políticas fundiram-se intimamente com a cadência televisiva. Com os telejornais. Os partidos, peças essenciais da democracia, subordinaram as suas estruturas orgânicas ao espaço público electrónico. O líder político ou é televisivo ou não é líder. Dum grande evento fica o que aparece em televisão. Quem não vê é como quem não sabe, dizem alguns. Ser é aparecer, dizem outros. Quem não aparece não é, é a convicção dominante. Uma imagem vale mais do que mil palavras, diz-se também. «O tempo de Gutenberg acabou!», gritam os videómanos.
Se é assim, a televisão é o centro da vida moderna, da vida política, da democracia. Por isso, merece a mais cuidada análise esse tipo de relação cognitiva induzido pela televisão. Porque a democracia, sendo cada vez mais televisiva, vive na encruzilhada da imagem induzida com o real produzido. E porque o cruzamento do real com a imagem induzida não pode deixar de produzir uma relação cognitiva problemática: um filtro sobrepõe-se duplamente ao real captado e pode gerar, por isso, conhecimento distorcido, num mecanismo equivalente ao da chamada ilusão ou inversão ideológica. Isto é, uma visão que aparece como coerente e com pretensões de universalidade, quando, afinal, não passa de um mero fragmento aleatório do real, seleccionado com critérios não sindicáveis ou pelo menos subjectivos. Esta relação cognitiva, que vive na fronteira entre a opinião verdadeira e a ilusão programada, é nuclear para a consistência do espaço público electrónico ou televisivo: ela pode suscitar algum activismo cognitivo, mas extra-televisivo, ou, pelo contrário, pode resultar em simples manipulação instrumental, com efeitos devastadores para o próprio cidadão.


(A gaiola electrónica)

A microelectrónica há muito que entrou no nosso percurso quotidiano. Num ensaio sobre o Caos, Gore Vidal referia que até 2008 o governo americano passaria a ter um computador central que registaria todas as operações financeiras da população, passando o Ministério das Finanças a controlar a bolsa de cada um e podendo deduzir directamente os impostos que considerasse adequados. Para completar o círculo lógico, acrescento eu, bastaria legislar para que todas as transacções, desde a compra do pão até à compra de casa, fossem obrigatoriamente feitas por intermediação bancária, genericamente, por cheque ou por meios electrónicos. Como (quase) todos os actos sociais são actos com incidência financeira, torna-se evidente que, com estas duas componentes, nos encaminharíamos rapidamente para uma Microcracia, ou tirania difusa da microelectrónica. E é naquele quase, entre parêntesis, que consiste o mistério insondável da vida, o irrepetível e o irredutível. É com ele que poderemos perfurar essa blindagem electrónica da Microcracia e impedir que ela se transforme em Micromega, em tirania final. Uma utopia tecnológica perfeita que, como todas as utopias, exige transparência uma total que não tem verdadeira reciprocidade no vértice do sistema. Lembremo-nos da Cidade do Sol, de Campanella.
É, pois, ilusória a ideia de Caos, de que tantos vão falando, se ela não for concebida como simples etapa intermédia entre a velha tirania da ideologia e a novíssima tirania da electrónica.
Esta fase de um mundo tendencialmente centrífugo, fragmentado, onde a consistência dos fragmentos depende exclusivamente da sua maior ou menor visibilidade público-televisiva, tem permitido a progressiva desestruturação das velhas ordens político-sociais e tem aberto o caminho a uma recomposição abstracta, mas difusa, das relações por meio comunicacional e informacional. O acesso generalizado ao conhecimento tem-se dado, simultaneamente, de baixo para cima e de cima para baixo. Só que, sendo certo que saber é poder, o acesso ao saber é infinitamente mais rápido para as elites do que para o cidadão comum. Por isso, também o poder cresce mais rapidamente para um lado do que para o outro. O processo de transformação do saber em poder é mais rápido para as elites do que para os cidadãos. Porque, se as primeiras mantêm uma relação activa, funcional e construtiva com o saber, as segundas mantêm com este uma simples relação passiva ou descritiva, mesmo quando desempenham tarefas automatizadas ou quando as usam para o lazer ou simplesmente para comunicar.
O uso de meios informacionais dá-se, para os cidadãos em geral, num registo extensivo e, para as elites, num registo intensivo. Para uns, equivale a um genérico acesso ao saber e a uma genérica comodidade na execução de tarefas intelectuais, para outros, significa efectiva reconversão do saber em poder.
Ser pensarmos no referido por Gore Vidal, veremos que enquanto para o cidadão se trata de comodidade, de segurança e de facilidade na troca, para o Estado trata-se de poder de controlo, de poder financeiro e de agilidade na gestão. A comodidade de uns traduz-se em poder de outros. O mesmo se verifica no plano da informação televisiva global: o acesso generalizado à informação televisiva tem como contrapartida a concentração do poder informativo em círculos cada vez mais restritos e com capacidade de configuração do real à medida das suas próprias opções comunicacionais. E se pensarmos no voto electrónico não poderá acontecer que também ele acabe por ficar reduzido a um permanente circo electrónico eleitoral, pelo qual não passarão as verdadeiras decisões estratégicas? Tratar-se-ia, neste caso, de um verdadeiro esvaziamento, por excesso de meios, dos conteúdos substanciais e dos fins da democracia. Um excesso que pode anestesiar e matar.
À «gaiola de aço», de que falava Max Weber, referindo-se ao processo de racionalização que acompanhou a velha civilização industrial, sobreveio a mais sofisticada nova «gaiola electrónica», que vai envolvendo o real de forma difusa, como um manto diáfano ou um véu electrónico. A chave da velha gaiola, que se chamava «crítica» (da razão instrumental), transformou-se em telecomando e em «password». Ou seja, a crítica transformou-se em poderoso meio de acesso. O que outrora sobrava em capacidade de descodificação, hoje sobra em capacidade de acesso aos «grandes armazéns» da imagem. Só que o excesso de informação anestesia, produz efeitos de habituação. Anula. Tal como a aceleração excessiva tende a produzir cegueira. O que sobra em aceleração e em abundância falta em distanciação crítica, em pausa reflexiva, em exercício analítico.
As elites, nesta assimetria, tornam-se cada vez mais inorgânicas, porque vivem exclusivamente nos interfaces da comunicação, perdendo o contacto com o triste e vil real. Foram fagocitadas pelo sistema informacional e, assim, são impedidas de exercer a crítica. Exercem, tão-só, o criticismo, que é uma actividade fim de si própria, multiplicam-se em jogos com múltiplas variáveis independentes, ou seja, com os jogos do sistema. Por isso, alguém já fala hoje de «rebelião das elites»..., mas contra as massas. Tornando-se cada vez mais verdade a velha máxima do «panem et circenses». Só que o circo é agora electrónico. E o pão, provavelmente, só poderá vir a ser adquirido sob o olhar atento e frio do computador central do Ministério das Finanças. A não ser que se regresse à troca directa. A esse (quase), de que falei.


(Ciberdemocracia, doença infantil da hiperdemocracia?)

A verdade é que o mundo informacional constitui hoje uma base incontornável do mundo contemporâneo. Desde o universo da produção ao mercado, à comunicação, que funcionam cada vez mais em rede num plano mundial, segundo regras sistémicas que enquadram funcionalmente as chamadas expectativas individuais, sem que prevejam nem suscitem o que poderíamos designar por valor de uso das liberdades e das expectativas subjectivas.
Estas regras pairam por cima da cabeça dos indivíduos e limitam-se a regular e a responder às tendências evolutivas gerais das sociedades, agora consideradas de forma puramente funcional, vista a lógica global com que operam. Como um jogo perfeito.
Mas se estes processos se estão a desenvolver com enorme rapidez e a consolidar com outra tanta profundidade, também é verdade que elas suscitam fortes reacções de rejeição por parte de poderosas forças nacionais que sentem ameaçado o seu poder territorialmente determinado, assumindo essa rejeição, do ponto de vista da elaboração política, as formas clássicas do nacionalismo e do tradicionalismo.
Para quem tenha assistido a um debate sobre o estado da Nação realizado no Parlamento deve ter-se apercebido disto mesmo: quando o governo, e bem, procurou expor uma estratégia para a nova economia, que é o centro de tudo isto, a oposição respondeu com a retórica política do pão e do suor da fronte, com a Maria e o Zé. Colhendo um problema real, mas rindo de uma realidade muito séria.
É verdade que os grandes sistemas globais, abstractos e auto-regulados, obedecem a poderes deslocalizados e não respeitam fronteiras e tradições porque possuem uma dominante vocação homogeneizadora universal, não sujeita a sufrágio. Por isso, encontram na fronteira e na tradição os seus adversários mortais.
Ambas as tendências sofrem de graves limitações do ponto de vista existencial, social e histórico: a lógica sistémica não prevê mecanismos de coesão social nem de legitimação política directa; a lógica tradicionalista e nacionalista arrisca-se a ser puramente residual em relação às tendências evolutivas das modernas sociedades. Uma posição conservadora muito mais flexível e aggiornata do que o simples tradicionalismo ou nacionalismo convencionais, mas permeada de uma forte dualidade política, é representada pela direita americana que se inspirou em Newt Gingrich.
Esta posição combina sapientemente um darwinismo social libertário para as élites capazes de se adaptarem às mudanças, nomeadamente de natureza tecnológica, com um populismo nacionalista de massas dirigido àqueles que são excluídos da e pela modernização, mas que, afinal, também eles, em linha de princípio, poderão ter acesso, como consumidores passivos, ao mundo da telemática. Uma direita deveras curiosa, esta, porque alia os tradicionais programas conservadores de inspiração liberal (redução do poder federal, redução dos impostos, diminuição dos subsídios, aumento da repressão, reforço dos programas militares) com programas avançadíssimos de inovação tecnológica em campo social, visando, nomeadamente, como afirma o próprio Newt Gingrich, «deslocar o poder em direcção aos cidadãos» e desferir um golpe mortal nos potentes lobbies de Washington!
Abrindo aos cidadãos as portas do mecanismo legislativo, através da inauguração de um «servidor» chamado THOMAS (The House Open Multimedia Access System), que levará para a Internet toda a actividade da Câmara dos Representantes, Gingrich afirma que, assim, «será mais difícil fazer passar projectos de lei que beneficiem somente os interesses particulares » e que a difusão de «informações em tempo real dará a toda a gente, e não só aos lobbystas bem pagos, o acesso às mesmas fontes». É a ciberdemocracia sob um pano de fundo conservador, onde o populismo, afinal, também aparece sob a forma de participação virtual alargada nos processos decisionais em matéria legislativa e no sistema comunicativo universal, e não só sob forma de nacionalismo exacerbado.
Resta saber se esta participação electrónica não representa, de facto, um aggiornamento do velho elitismo iluminista através de um universalismo puramente apriorístico: estando dadas as condições tecnológicas e económicas para o pleno e generalizado uso da razão electrónica, o que se verifica é que esta razão se defronta com os mesmos problemas com que se defrontavam a Razão e o Intelecto kantianos. Isto é: não continuaremos, de facto, no puro mundo das condições de possibilidade? Não é por acaso que Kant, em teoria, se afirmava universalista e na prática (mas na Metafísica dos Costumes até avançava uma sua explicação teórica) reconhecia a inevitabilidade do censo.
A questão que se põe, todavia, consiste em saber se a democracia electrónica não se pode, afinal, vir a revelar neoconservadora: ao mesmo tempo que pode transformar a participação política num jogo aleatório e inconsequente, porque esvazia permanentemente a representação política ao mesmo tempo que alimenta a ilusão de autogoverno do homo cibernauticus e do homo zappiens e que transforma a gestão política de um país em simples administração de técnicos, comandados à distância pelos poderes fortes da sociedade. E se, ao fim e ao cabo, não existe, nesta posição da Nova Direita americana, uma duplicidade perfeitamente compatível ou componível, ao proclamar, por um lado, a universalidade da participação virtual, mas ao saber, por outro, que o exercício desta universalidade exige mais saber (mas também mais meios) que a tradicional participação política, em particular, se ela se apresentar, como se pretende, não só como meio de expressão electiva, mas também sob a forma de exercício contínuo de controlo e de participação no exercício dos processos decisionais. É, este, um exercício ainda mais sofisticado do que a forma tradicional de exercício dos direitos de cidadania até porque introduz uma componente de virtual exercício referendário numa acção política institucional progressivamente cheia de projectos concretos e esvaziada de conteúdos político-ideais. A comunidade eleitoral tornar-se-ia uma comunidade virtual, sem visível contexto territorial e comunitário, isto é, «sozinha em casa», sem rosto e sem corpo, sem visibilidade social, recolhida na intimidade pessoal, distante e socialmente insensível. O governo tecnicizar-se-ia e passaria a obedecer ao comando desse corpo eleitoral electrónico e dotado de telecomando. Restariam os poderes fortes da sociedade civil, eficazmente organizados, com cadeias de televisão, redes telemáticas e sistemas de controlo electrónico dos percursos individuais de cidadãos vivendo em mercado electrónico global.
É conveniente reflectir sobre esta posição da nova direita americana, tanto mais quanto há muitas esquerdas que estão a embarcar velozmente nos autocarros que já começam a circular por essas autoestradas telemáticas que não se sabe para onde vão nem donde vêm e onde a sinistralidade começa a ser preocupante, vista as permanentes falhas dos sinais de trânsito electrónico, do tipo, por exemplo, do «I LoveYou».
Se conduzem realmente a uma forma superior de democracia ou se elas estão, de facto, a produzir uma nova «doença infantil da hiperdemocracia», a ciberdemocracia. E se, realmente, como diz Riccardo Staglianò, os cabos em fibra óptica surgem como os legítimos herdeiros da agorà ateniense.
De qualquer modo, se é verdade que esta posição da direita americana, que combina a fantaciência com a velha filosofia de inspiração liberal é indesejável, porque instrumental e hipócrita, também é verdade que não tem qualquer sentido avançar com uma filosofia da pós-política, onde cada sujeito é deixado ao livre jogo dos sistemas auto-regulados que pairam acima dele, mesmo quando parece que o cidadão passivo de censitária memória está a dar lugar ao ultramoderno cidadão electrónico e interactivo.
A questão que se põe hoje, como antes, é a de saber sob que forma é possível garantir a licitude dos processos de modernização, nomeadamente electrónica, sem anular os mecanismos de coesão social, incluída a preservação dos mecanismos de identificação tradicional. E, de um ponto de vista mais propositivo, a de saber como será possível fazer corresponder um efectivo valor de uso às liberdades e às expectativas formalmente declaradas, e mesmo tecnologicamente proclamadas, garantindo aos excluídos do e pelo processo de modernização as chances de exercício de uma liberdade que, apesar de formalmente garantida, nunca será praticada nem praticável sem a intervenção activa da acção reguladora da política e do exercício efectivo de uma cidadania activa.
Mas que política, então?
Não, seguramente, uma mundividência política centrada no exercício virtual de direitos que, em grande parte, continuam ainda a ser puramente formais numa democracia electrónica de que não se sabe se, quando atingir a maturidade, corresponderá efectivamente àquilo que constitui o grande desidareto da democracia: mais poder para o povo e pelo povo. Ou se, por esta via, acabará por ser introduzido um neo-elitismo de natureza electrónica, onde as condições de possibilidade para o acesso à informação existem sob forma virtual, mas onde a sua real descodificação só é possível aos iniciados na telemática e nas especialidades a que ela nos pode introduzir.
Não seria sensato pôr de parte o confronto construtivo, mas crítico, com este universo electrónico, em rede e «on line». Porque ele se constituiu como efectivo horizonte discursivo da democracia, canal por onde transita a comunicação, o mercado, a produção. E do qual a televisão é o terminal qualificado.
Parece que, um dia, Berlusconi disse que quem não ama a televisão, não ama a América! Como que insinuando que quem não ama a América não ama a democracia. Só que a questão televisiva, não sendo redutível a um anátema, também não é hoje enquadrável com categorias de natureza afectiva, emocional ou de moda.

(O partido mediático)

O caso de Berlusconi é exemplo admirável desta penetração da electrónica no universo democrático e, mais concretamente, no universo dos partidos políticos, daqueles a que já poderemos chamar partidos mediáticos ou electrónicos.
Com efeito, estamos a assistir a uma rápida e inexorável transformação dos partidos políticos. A uma espécie de afunilamento da sua natureza. Eles concentram-se cada vez mais na praça televisiva e diluem as suas estruturas na personalidade mediática dos líderes. Os programas perderam consistência, as estruturas orgânicas funcionam com o único objectivo de legitimar opções definidas em círculos muito restritos de poder. Vive-se, hoje, de novo, numa espécie de neo-elitismo: o elitismo dos líderes mediáticos e dos círculos do poder mediático. A figura do militante perdeu importância em face dos novos sujeitos emergentes da produção comunicativa. As grandes opções ético-políticas passaram a constituir, quando existem, um vago pano de fundo onde já poucos se reconhecem. Um estúdio televisivo vale mais do que cinquenta assembleias partidárias ou do que vinte comícios no terreno. Entre os partidos e a sociedade civil interpôs-se, de forma incontornável, o sistema mediático electrónico. A agenda política passou a ser determinada pela agenda dos média. A mensagem política deixou de ser transmitida, directamente, pelos agentes políticos para passar a ser transmitida, indirectamente, pelos jornalistas. Sendo que, quando fala na televisão, o líder político tem de usar uma linguagem e uma imagem jornalística e televisiva.
A dialéctica política deslocou-se para outros campos de acção. Diria mesmo que se sofisticou e subtilizou. Ela depende cada vez mais dos impulsos electromagnéticos e cada vez menos do tom de voz. Depende cada vez mais das visões e cada vez menos das convicções. Por isso se fala tão frequentemente de «ligações perigosas» entre o poder político e os média.
Certo é que a lógica organicista dos partidos está a ser substituída por uma lógica bem mais complexa e sofisticada: a lógica comunicativa. Esta funde-se intimamente com o sistema mediático, modela-se-lhe, tentando, ao mesmo tempo, comandá-la. Numa sociedade onde a comunicação constitui o sistema nervoso central de todos os seus subsistemas, compreende-se que a política não pudesse deixar de assimilar tal lógica. Mas, por isso mesmo, alguém já começa a falar de «tirania da comunicação», quando a mediatização volta a ganhar cada vez mais o seu verdadeiro sentido originário: confiscação de direitos imediatos. É que não só os novos horizontes do desejo humano, mas também a administração dos seus interesses mais comezinhos (do tipo: «vou-me queixar à SIC) passaram a estar sob o controlo directo do sistema mediático.
Que fazer? Antes de mais, é preciso compreender que esta mudança não resulta da estratégia perversa de um qualquer centro decisional subjectivo, mas que se trata da natural evolução da sociedade e das suas próprias estruturas. Só que esta evolução tem sido tão rápida que não tem dado origem a um movimento reflexivo capaz de proteger a retaguarda dos partidos convencionais sem transformar essa protecção em puro movimento reactivo às necessárias e incontornáveis inovações. O perigo reside no enorme vazio, provocado por esta aceleração, que pode vir a instalar-se entre a sua pesada estrutura tradicional e esta nova e sofisticada forma electrónica de exercício da política. Um vazio que pode vir a pôr em causa aquilo que de essencial se joga na própria democracia, a representação, sob o pano de fundo de uma acusação que identifique a política com o exercício do simulacro e da auto-ilusão programada, sob a forma de autogoverno electrónico das massas.
Alguém afirmou, recentemente, que é o líder que pertence ao partido e não o partido ao líder. Esta aparente evidência não é tão evidente como isso. A personalização dos partidos, das políticas e das eleições, fruto directo da mediatização integral da vida, tem progredido de forma avassaladora, deixando cada vez mais em estado de prostração os velhos aparelhos partidários. Quem conta mais, nestes partidos, o velho funcionário ou o publicitário genial, que não é militante nem sequer simpatizante? O que é mais importante: uma manifestação de rua ou um bom tempo de antena para o líder? Manifestação que, afinal, não tendo cobertura televisiva, é como se não existisse, num tempo em que dez activistas de rua, com apoio televisivo, valem mais do que dez mil, sem ele. E um bom visual não conta mais do que uma boa ideia? E boas ideias não são mais aquelas que têm eficácia expressiva televisiva do que as que têm significado programático?
Nos Estados Unidos da América o sistema parece ter transformado os partidos em simples ajudantes do candidato. O candidato do partido desapareceu para dar lugar ao partido do candidato. As primárias funcionam, de facto, como permanentes refundações dos partidos, sob batuta eleitoral e televisiva.
Os partidos substituíram a ideologia pelo marketing e a militância orgânica pela retórica mediática e eleitoral. As campanhas decorrem diariamente nos telejornais, onde cada partido procura, permanentemente, obter um espaço para eventos que cria a pensar precisamente nisso.. A linguagem publicitária substituiu a linguagem explícita das ideologias: tornou-se, ela própria, ideologia única, fetiche com aura. Nela, vale mais uma imagem que mil ideias. E uma «petite phrase» - do tipo «vous n'avez pas le monopole du coeur», como dizia Giscard D' Estaing dirigindo-se aos socialistas franceses - preparada por um publicitário, tem mais valor político do que um programa eleitoral.
No centro de todo este processo está a figura do líder.
Não há dúvida que o corpo orgânico dos partidos entrou em lenta decomposição, se considerarmos aquela que era a sua estrutura tradicional. Eles adaptaram-se rapidamente à velocidade de comunicação dos modernos meios sem se preocuparem em adaptar as suas estruturas à nova realidade. O resultado foi a irrupção de um enorme «gap» entre o núcleo dirigente e o corpo orgânico dos partidos, entre a linguagem rápida, eficaz de um líder telegénico e um corpo que se arrasta com uma lentidão insustentável. Se isto, de algum modo, fica atenuado quando os partidos estão na oposição, isto é, entregues a si próprios, já o mesmo não acontece quando estão no poder. Neste caso, a fractura tende a acentuar-se ainda mais, já que o grupo dirigente tende sempre a acumular a direcção do partido com a direcção do governo.
Por tudo isto se fala hoje de partidos mediáticos: hoje, é no universo mediático que se forma o carisma do líder: um carisma tão volátil como o éter.
Se extremarmos esta lógica, fácil será concluir que são os partidos que servem os candidatos em vez de serem os candidatos a servir os partidos. Isto verifica-se nos partidos com vocação de poder, já que só nesta condição é possível conceber a imolação do partido ao próprio candidato: a conquista do poder se encarregará de reencaminhar o corpo do partido para as próprias estruturas do Estado, garantindo-lhe, assim, uma segunda vida e concretizando a sua vocação originária, enquanto embrião do Estado, para usar a fórmula de Gramsci. É por isso que se fala de partidos que não sabem, ou não podem, conviver com longos períodos de oposição, em estabilidade. Por isso, mudam constantemente de líder, por necessidade de manterem permanentemente acesa, nos militantes e afins, a esperança de cedo alcançarem o poder. São partidos de ideologia débil, partidos de interesses, partidos corporativos. Mas mesmo os partidos de ideologia mais consistente estão a viver os mesmos problemas, em virtude de terem operado esta mutação brutal de que estou a falar e que consiste na passagem abrupta de uma forma orgânica de vida para o rarefeito universo electrónico, catódico ou da fibra óptica. Um universo perverso. Porque, nele, os partidos tendem a alimentar-se exclusivamente da retórica do marketing, a generalizar a técnica da «petite phrase», a adaptar-se permanentemente ao nomadismo do «Homo Videns» ou, pior, do tal «Homo Zappiens», ignorando as exigências do «Homo Sapiens» e do «Homo Faber». Assim, sobra-lhes em velocidade de comunicação e eficácia electrónica o que lhes falta em práxis, em vivência social; sobra-lhes em retórica mediática o que lhes falta em monitorização das reais interacções sociais; sobra-lhes em simulacro o que lhes falta em substância.
O excesso de velocidade produz cegueira e esquecimento. Aqui, o risco consiste em esquecer o sentido originário dos partidos políticos e a grande delicadeza e fragilidade dos mecanismos estruturais da democracia, evoluindo para uma nova forma de democracia directa, a que alguns chamam «directismo»: o permanente teste à opinião pública como método privilegiado de instrução dos processos de decisão. Ou seja, a democracia como um imenso hipermercado do consenso electrónico: simples espaço de distribuição de bens políticos de consumo rápido, produzidos não se sabe bem onde, mas seguramente a preços de saldo e acessíveis a todos.
Mas será isto que queremos?

(Conferência sobre «Ciberdemocracia ou gaiola electrónica?», Maio de 2000. Intervenção no Seminário sobre E-politics, CCB-Lisboa, Escola Superior de Comunicação Empresarial).

Il potere mediatico e la crisi della democrazia

Para Umberto Cerroni
Um Mestre e um Amigo

1. La democrazia rappresentativa (1) è arrivata ad un punto di svolta (2). Uno dei suoi elementi strutturanti, la differenza tra rappresentanza e rappresentato, tra palazzo e piazza, tra società politica e società civile, tra Stato e società, si sta logorando sempre di piu man mano che il potere mediatico irrompe come centro soggettivo di potere auto-rifles­sivo e auto-referenziale, avanzando pretese di occupazione esclusiva deI luogo della differenza. Questo potere, quale modo di produzione industriale di infotainment, si interpone sempre di più tra la rappresentanza politica e il cittadino, assumendosi esso stesso come «rappresentanza organica», ossia come vera e propria società civile di secondo grado. Esso affonda tanto più nello stesso sistema del potere politico quanto più elevata è la sua posizione nella gerarchia dei poteri civili e quanto più esclusivo diventa come spazio pubblico, escludendo o oscurando le altre forme di interazione comunicativa. Esso svolge allo stesso tempo funzioni di rappresentazione e funzioni di estensione organica della società civile, assumendo sempre di più le proprie funzioni come veri e propri imperativi sistemici. Così la rappresentazione si trasmuta in rappre­sentanza (politica) informale, laddove esso diventa, da un lato, spazio pubblico esc1u­sivo, gestito direttamente dai suoi agenti, secondo i propri criteri, le proprie regole ed i propri interessi in base a esigenze funzionali di tipo sistemico, e dall'altro, et pour cause, diretto protagonista politico.
Non è un caso che Habermas, nella Prefazione alla nuova edizione del 1990 di «Strukturwandel der Öffentlichkeit», si ponga un problema che egli giudica non risolu­bile «senza un considerevole sforzo empirico: se e in che misura una sfera pubblica dominata dai mezzi di comunicazione di massa offre agli esponenti della società civile la possibilità di entrare in concorrenza, con buone prospettive, con gli invasori dell' eco­nomia e della politica e, dunque, di modificare, liberare dalle barriere e filtrare critica­mente lo spettro dei valori, dei temi e dei motivi canalizzati dall'influenzamento ester­no» (Habermas, 1962, XLI). Habermas, si sa, punta ad un concetto discorsivo della democrazia (Habermas, 1996, pp. 235-259), dove «l'opinione pubblica viene elaborata in potere comunicativo dalle procedure democratiche», cioè laddove il suo è un potere indiretto di indirizzo sul potere amministrativo, ma sopratutto un potere libero sia dal comando amministrativo sia dal comando economico. E tuttavia egli non confonde potere dei media con potere comunicativo giacché mentre, da una parte, intravede la presenza di imperativi di tipo sistemico nei media stessi (Habermas, 1992, pp. 435,442, 444), dall'altra, rinvia le interazioni comunicative informali ad una sfera più ampia, la «società civile», così come la definisce in «Faktizität und Geltung», del '92, «il suo núcleo istituzionale è invece costituito dalle alleanze e associazioni volontarie - di tipo non sta­tale né económico - attraverso cui le strutture comunicative della sfera pubblica si ancorano alla componente del mondo di vita relativa alla società. La società civile è compo­sta da quelle associazioni, organizzazioni e movimenti che più o meno spontaneamen­te intercettano e intensificano la risonanza suscitata nelle sfere private di vita dalle situazioni sociali problematiche, per poi trasmettere questa risonanza – amplificata - alla sfera pubblica politica. Il nucleo della società civile è costituito da una rete associativa che istituzionalizza [...] discorsi miranti a risolvere questioni d'interesse generale». «Certo», aggiunge subito Habermas, «queste associazioni non sono l'elemento preva­lente in una sfera pubblica dominata da mass media e grandi agenzie, tenuta sotto osser­vazione da inchieste di mercato e sondaggi d'opinione, irretita dalla pubblicità e dalla manipolazione di partiti politici e gruppi d'interesse». E «tuttavia», conclude, «sono queste associazioni a formare il sostrato organizzativo di un universale "pubblico di cit­tadini" emergente per così dire fuori dalla sfera privata. Questi cittadini cercano sia di dare interpretazioni pubbliche ai loro interessi e alle loro esperienze sociali sia d'in­fluenzare la formazione istituzionalizzata dell'opinione e della volontà» (Habermas, 1992, p. 435; 1962, XXXIX). Cioè la politica deliberativa cerca di sfuggire ad una colonizzazione sistemica delle interazioni comunicative sia da parte del potere ammi­nistrativo e del potere economico sia da parte dello stesso potere mediatico, anche per­ché «pur essendo noi relativamente informati sull'impatto e sulle modalità operative dei mass media, nonché sulla divisione di competenze tra il pubblico e una pluralità di atto­ri, e pur potendo anche ragionevolmente individuare chi dispone del potere dei media», tuttavia, «ciò che ancora non vediamo chiaramente è il modo in cui i mass media inter­vengono nella complicata circolazione comunicativa della sfera pubblica politica» (1992, p. 447), così come non vediamo il suo potere «sufficientemente disciplinato dagli standard della professione» (1992, p. 446). La circolazione comunicativa è tal­mente ampia da non poter restare confinata al potere mediatico, nonostante il suo forte potere d'agenda (1992, p. 452). Perciò, Habermas sostiene che «i mass media devono intendersi come "mandatari" d'un pubblico illuminato, la cui capacità di apprendimen­to e di critica essi -nello stesso tempo - presuppongono, pretendono e rafforzano. Analogamente all'apparato giudiziario, anche i mass media devono tutelare la loro autonomia da attori politici e da attori sociali» (1992, pp. 448-449). Ma è proprio qui che si verifica, oggi, da parte dei media, una vera e propria inversione dei valori propo­sti da Habermas, giacché essi stessi vengono colonizzati dall'agire razionale orientato al successo (zweckrational) importato dal sottosistema economico, cioè non agendo più prevalentemente in vista dell'intesa, bensì in vista del successo, razionalmente rispetto allo scopo, cioè in vista dell' audience (e della pubblicità) (3).
La finanziarizzazione, l'imprenditorializzazione e le tendenze alla concentrazione che si stanno verificando nel potere mediatico fanno sì che venga meno la pretesa di promuovere un concetto discorsivo di democrazia dove la legittimità poggi su pubbli­ca argomentazione fondata su pretese di validità universale, poggi sui fondamenti del­l'agire orientato all'intesa, così come viene abbondantemente teorizzato da Habermas nella sua «Theorie des kommunikativen Handelns», del lontano '81, oppure, potremmo anche dire, come già viene schizzata nello stesso imperativo categorico di Kant.
D'altra parte, come dice lo stesso Habermas, «quanto più ora il pubblico unificato dai mass media ricomprende tutti gli appartenenti d'una società nazionale, o addirittu­ra tutti quelli che vivono in una certa epoca, tanto più nettamente i ruoli degli attori che salgono sulle arene si contrappongono ai ruoli degli spettatori in galleria» (1992, p. 444). Ed è proprio nel potere di controllo delle condizioni generali e specifiche di accesso degli attori a questi ruoli che, da una parte, risiede il potere dei media e la sua capacità di fagocitare l'intero spazio pubblico e, dall'altra, si concentrano le tendenze alla contrapposizione tra i ruoli dei cittadini e quelli dei vari attori che hanno la possi­bilità di accedere allo spazio mediatico, generando così «un potere dei media che, impiegato manipolativamente, ha tolto al principio della pubblicità la sua innocenza». «La sfera pubblica pre-strutturata e insieme dominata dai mezzi di comunicazione di massa», dice Habermas, «si è trasformata in una arena depotenziata, nella quale i temi e i contributi si contendono non solo l'influsso, bensì anche un governo, le cui inten­zioni strategiche sono quanto possibile occultate, dai flussi di comunicazione in grado di influenzare il comportamento». Per questo, Habermas distingue chiaramente tra «fun­zioni critiche dei processi di comunicazione autogovernati, sostenuti da istituzioni deboli, ramificati anche orizzontalmente, inclusivi e più o meno discorsivi» e «funzio­ni di influenzamento delle decisioni di consumatori, elettori e clienti da parte delle organizzazioni che intervengono in una sfera pubblica dei mezzi di comunicazione di massa per mobilitare potere d'acquisto, devozione o buona condotta» (1962, XXII­-XXIII). L'agire orientato all'intesa, secondo le modalità dell'agire comunicativo, è, per Habermas, cosa ben diversa dell'agire razionalmente rispetto allo scopo, in vista del successo, per cui la comunicazione pubblica non può essere ridotta alIa logica dell'agi­re strumentale e della persuasione strumentale del pubblico.

2. E, tuttavia, la rappresentanza (politica) informale, ma anche formale, a carico degli attori mediatici di qualunque provenienza, ma di sicura influenza personale o organizzazionale, si presenta regolarmente davanti all' assemblea del popolo riunita nel nuovo spazio pubblico elettronico, cioè davanti allo schermo televisivo, cercando d'in­fluenzare, d'accordo con i propri interessi, decisioni di «consumatori, elettori e clien­ti». Lo spazio dei media emerge così come lo spazio verso il quale convergono sia la rappresentanza formale o informale che il popolo rappresentato, sia come consumato­re/cliente sia come pubblico/elettore.
La personalizzazione della politica - istituzionale e partitica - emerge con significa­to istituzionale (Habermas, 1992, p. 447) quando il sistema mediatico diventa un siste­ma a dominante elettronica, istantaneo e universale, capillare, onnivoro e (post)indu­striale, con la capacità cioè di ri-produrre elettronicamente il reale trasformandone le regole, ridisegnando nuovi rapporti e oscurando definitivamente vecchi steccati. L' opera di Meyrowitz, «No sense of place. The impact of electronic media on social behaviour» (Meyrowitz, 1985), dimostra proprio questo: cioè la percezione che il cittadi­no ha del suo stesso ruolo sociale rispetto ad altri ruoli, la percezione dello spazio fisi­co e sociale che occupa rispetto ai vecchi steccati sociali e il suo stesso rapporto cogni­tivo con la totalità dell'ambiente che lo avvolge vengono radicalmente cambiati con l'avvento dei media elettronici, specie attraverso un vero e proprio oscuramento dei confini presenti nelIe interazioni proprie del mondo dell vita e irriducibili alla conver­sione elettronica (vedasi l'adesione, ma anche la critica di Habermas, 1962, pp. XLI-XLII). La personalizzazione, riconosciuta come caratteristica discriminante deI nuovo approc­cio politico alIo spazio pubblico elettronico, viene ormai accompagnata da una vera e propria rivoluzione nel nuovo rapporto percettivo e cognitivo dei cittadino (pubblico-­spettatore) con i propri ambiti situazionali e con i diversi ruoli sociali, specie se para­gonato alIa vecchia rappresentazione empirica (pre-elettronica) dei propri ruoli ed ambiti situazionali. Cioè cambia il rapporto tra politica e cittadino, emergendo, sì, la personalizzazione, ma all'interno di un profondo cambiamento nelIa percezione delle strutture relazionali che determinano i rapporti percettivi e cognitivi con il reale, dal­l'auto-referenzialità all'etero-referenzialità (Habermas, 1992, p. 447; 1962, XLI-XLII).

3. Ormai, niente di ciò che è umano (dal sociale all'intimo) è estraneo al sistema mediatico. E, quindi, tutto ciò che assume la forma di prodotto mediatico ha un viso o, almeno, una forma visuale. II trionfo della cultura visuale accompagna il trionfo del sistema mediatico. Entrambi intaccano radicalmente la cultura della differenza - la loro e una cultura omologatrice (Habermas, 1992, p. 444) - provocando una specie di tra­smutazione della natura stessa della democrazia rappresentativa verso una specie di neodemocrazia diretta. Cioè, una democrazia diretta debole: da un lato, per la progres­siva affermazione di potere di queste strutture organiche intermedie - i ceti sociali diret­tamente e produttivamente coinvolti nel potere mediatico e i poteri proprietari che lo comandano, che costituiscono quelIa che ho chiamato rappresentanza organica, di cui élites manageriali e giornalistiche e infotainers - con forte capacità politica di revoca informale e strisciante dei mandato, cambiando la natura stessa del mandato non impe­rativo, discriminante fondamentale della democrazia rappresentativa; dall'altro, per la personalizzazione del mandato, laddove un rapporto diretto con il popolo è diventato possibile proprio grazie a questo potere (4).
In effetti, l'emergenza di un indubitabile e crescente protagonismo politico dei media, il crescente affermarsi di un importante ceto sociale connesso direttamente con i media, la crescente personalizzazione della comunicazione politica, il profondo cam­biamento nella percezione delIe strutture che determinano il rapporto percettivo e cognitivo del soggetto con il reale (soggettivo, oggettivo e sociale), il cambiamento della natura di uno spazio pubblico che è passato dal luogo fisico all' assenza di luogo (dal luogo alla rete o al luogo virtuale), la profonda mutazione delIe categorie percet­tive umane -giungendo perfino alle stesse strutture percettive e cognitive- ad opera delIe sofisticate protesi tecnologiche, tutto ciò sta provocando profonde mutazioni negli stessi meccanismi centrali della democrazia rappresentativa.
Queste trasformazioni si sono verificate in un contesto più ampio, cioè nel contesto di profondi cambiamenti sociali, specie con l'emergenza della «middle class» come grande centro trasversale a tutta la società post industriale, ormai non più definita attra­verso le grandi «cleavages», le grandi fratture sociali, o le sostanziali appartenenze iden­titarie, bensì attraverso criteri di tipo sovrastrutturale (Scalfari, 1994). Ma anche in un contesto di finanziarizzazione e managerializzazione dell'economia, di imprenditorializ­zazione e di generalizzazione dei settore privato della comunicazione. Inoltre, tutto ciò si è verificato in un mondo non più strategicamente, politicamente e ideologicamente bipolare, dove non vige più una logica antagonistica che sovradetermini il funzionamen­to delIe società. Cioè laddove alla caduta delle ideologie politiche ha corrisposto l'emer­genza di nuovi protagonismi fino allora marginali perché strumentali alIa logica bipola­re del confronto ideologico. E nuovo fu davvero il forte protagonismo dei media. L'Italia del dopo 1989 è stata un esempio davvero chiarificatore. In effetti, il 1994 ha rappresen­tato il trionfo della civiltà mediatica sulla vecchia civiltà delle ideologie politiche e par­titiche (Abruzzese, 1994; Morcellini, 1994, 1995; Statera, 1995; Mancini, Mazzoleni, 1995; Bentivegna, 1995). Trionfo che qualcuno ha osannato come un «Elogio del Tempo Nuovo» (Abruzzese, 1994; ma vedasi anche Abruzzese, Miconi, 1999).
Oggi, i media, assieme a tutti i saperi e mezzi tecnico-scientifici e tecnologici, sia di rilevazione dello stato delI'opinione pubblica e dei diversi mercati (sondaggi e ricerche di mercato) sia di intervento simbolico su di essi (comunicazione e marketing), svolgo­no un ruolo talmente potente che si parla ormai di democrazia del pubblico, di demo­crazia dell'opinione o di democrazia post-rappresentativa. Un'analisi deI processo che nel 1994 condusse Silvio Berlusconi al potere ci può dare un esempio abbastanza evi­dente - quasi di tipo laboratoriale - del modo come tutto ciò possa funzionare in piena convergenza verso la conquista del consenso e la presa del potere (5).

4. Per evidenziare il senso di questo «Tempo nuovo», di questa profonda mutazione che sta avvenendo sotto i nostri occhi, Alain Minc, in L 'ivresse démocratique, parIa addirittura dell'emergenza di «una nuova santa trinità»: «una trinità si spegne, fonda­mento della democrazia rappresentativa; un'altra entra in scena: il giudice, i media, l'opinione» (Minc, 1995, p. 76). La vecchia trinità di cui parla Minc era composta dalla democrazia rappresentativa, dallo Stato Sociale e dalla classe media. La nuova, dai media e dall' opinione, oltre che dal giudice. Si tratta, dunque, di un cambiamento sostanziale, laddove la preminenza del principio elettivo e del mandato non imperati­vo, dei beni pubblici e di una base sociale di rango intermedio e stabile cede di fronte all'irruzione del rapporto dirompente tra media e pubblica opinione, connesso, sempre di più, anche al potere giudiziario (6).
D'altra parte, questo rapporto si rifà sempre di più ad una classe emergente di nuovo tipo, la cosiddetta «middle class», che si identifica con quel grande ceto sociale interme­dio definito, ormai, di più attraverso criteri di consumo, stili di vita e status sociale che attraverso le grandi fratture sociali, le identità sostanziali di appartenenza e le Weltanschauungen filosoficamente e ideologicamente elaborate. Una classe emergente che si identifica più come pubblico che come cittadinanza, più come consumatrice o spet­tatrice che come produttrice, più come insieme numerico e disgregato di individui, sin­goli e passivi fruitori, che come insieme organico, comunità attiva e partecipe (7). Una clas­se che, quindi, si identifica con il grande centro trasversale della società, anonimo, noma­de, flessibile, culturalmente precario (Scalfari, 1994). Questa «middle class» costituisce, d'altronde, il vero punto sociale di riferimento dei mass media: come pubblico e come moltitudine solitaria che vive in solitudine multipla (Virilio, 1993, p. 17). Essa è il prodot­to più specificamente sociale della società post industriale e, nella sua estesa e poco com­prensiva - proprio perché «middle class» - dimensione generica, corrisponde alle stesse categorie di pubblico a cui parlano i grandi mass media, specialmente la televisione. Cioè la «middle class» abita lo stesso spazio pubblico degli spettatori televisivi, diventando il grande punto di riferimento delle industrie culturali e, per ciò, anche dei mass media.

5. Tra il concetto di pubblico e quello di cittadinanza c'è un divario incolmabile che non si puó cancellare. Lo spazio pubblico democratico non può corrispondere ad una platea teatrale o televisiva dove si cerca permanentemente di promuovere l'identità di tutto ciò che sta oltre la differenza tecnica tra attore e spettatore, tra élites artistiche e pubblico. Cioè non si può convertire il concetto di cittadinanza nel concetto di pubbli­co senza scivolare verso concezioni strumentali della democrazia stessa, laddove il pro­cesso di decision-making politico sarebbe riservato a delle élites separate ed esclusive che si auto-propongono regolarmente (nelle elezioni) come offerta politica (di persona­le politico) ad un pubblico, altrettanto separato, come semplice spettatore e consuma­tore del prodotto offerto, come se si trattasse di un mero rapporto di consumo, dove la differenza risiede nel rapporto di produzione e l'identità nel rapporto di consumo. Cioè la differenza o separazione del palcoscenico e degli attori dal pubblico non equivale, come vedremo, a quella separazione o differenza tra rappresentanza e popolo, nono­stante le somiglianze. Nel primo caso, non c'è delega e, quindi, la sovranità resta con il cittadino, potendo egli esercitarla ad ogni momento della rappresentazione; gli atto­ri non agiscono in suo nome, bensì in nome dell'arte, dell'autore e dei personaggi stes­si. Cioè la rappresentazione si svolge all'esterno della volontà del pubblico anche quan­do esso si identifica totalmente con essa, mentre, nel secondo caso, la rappresentanza funziona cioè come protesi permanente della volontà originaria del cittadino, anche se qualche volta questi non si identifica con essa. La prima si svolge sempre davanti al cit­tadino, la seconda, poiché c'è delega, può svolgersi in sua assenza. Il correlato della prima è il pubblico; il correlato della seconda è il cittadino.
Dunque, l'emergenza del potere mediatico come potere costituente della nuova democrazia del pubblico tende a forzare questa strada della riduzione dei cittadini a spettatori, a pubblico, a consumatori. Ed è qui che risiede il nocciolo centrale del pro­blema della transizione della democrazia rappresentativa verso la democrazia del pub­blico. La rappresentanza (politica) -essendo anche, come quella, differenza - non equi­vale, tuttavia, semplicemente a rappresentazione (8), nonostante in molte lingue (france­se, spagnolo o portoghese, per esempio: représentation, representación e representa­ção) non vi sia nemmeno differenza linguistica. La rappresentanza equivale ad un tra­sferimento di sovranità, all'assunzione cosciente del bisogno della differenza e della separazione, la rappresentazione equivale ad uno sforzo di annullamento della separa­zione o della differenza, anche se con altri mezzi. L'una sottolinea la separazione, l'al­tra cerca di annullarla (attraverso l'identificazione del pubblico con la rappresentazio­ne, l'adeguatezza tra contenuto e forma e la ri-presentazione del contenuto assente).
La rappresentanza (politica) non solo significa riconoscimento della differenza e della separazione, ma è proprio nell'atto di riconoscimento della separazione che viene fondata la legittimità della rappresentanza. Cioè mentre nella rappresentanza viene costituita la differenza in base ad una identità sostanziale (appartenenza allo stesso popolo) e, perciò, nell' affermazione della differenza funzionale viene anche riconosciu­ta la sua piena legittimità, nella rappresentazione è la stessa differenza o separazione (tra contenuto assente e sua rappresentazione e tra attore e spettatore) che viene annul­lata, cercandosi anche la piena identificazione non solo tra rappresentazione e contenu­to, ma anche tra pubblico e rappresentazione. Mentre la prima parte dall' identità sostanziale (del rappresentante con il popolo) per poi adottare la differenza come fun­zione centrale della democrazia (mandato non imperativo - differenza o separazione funzionale), la seconda parte dalla differenza o separazione - tra palcoscenico e pubbli­co o tra l'assenza deI contenuto e la sua rappresentazione - per poi adottare l'identità, o annullamento della differenza o separazione, come fine del processo (di rappresenta­zione), cioè sia come ri-presentazione del contenuto assente che come identificazione del pubblico con la rappresentazione (9).
Nella nuova democrazia del pubblico che emerge, spinta dalla forte presenza dei media sia come soggetti politici sia come spazio pubblico, si procede alla confusione tra rappresentazione e rappresentanza e tra pubblico e cittadinanza. Cioè laddove la differenza viene convertita in identità, con produzione di effetti strumentali sullo stes­so funzionamento della democrazia, specie trasformando la democrazia in uno spetta­colo in cerca di identità attraverso il consenso (applausi), dove i media (palcoscenico + régie + scenografia) svolgono il ruolo centrale.
Ciò che vorrei sottolineare è che il passaggio dalla democrazia rappresentativa alla democrazia dei pubblico, indotta dal doppio protagonismo politico dei media sia come soggetti politici informali che come nuovo spazio pubblico, produce profondi cambia­menti strutturali che possono cambiare la natura stessa della democrazia. Si intravede, in questo processo, l'emergenza di una democrazia diretta di nuovo tipo, cioè di tipo spettacolare, laddove la rappresentanza perde appunto quella sua specificità che la ren­deva diversa dalla rappresentazione e dove, allo stesso modo, la cittadinanza si conver­te in pubblicità proprio come la ragione si converte in pura opinione. Laddove il citta­dino diventa pubblico e consumatore nell'immenso mercato dell'audience (10).

6. Questa mutazione si deve, a mio parere, alIa forte irruzione dei media sia come soggetti politici che come nuovo spazio pubblico esclusivo, che ha fatto, quindi, diven­tare residuali i contenuti, considerato il rilievo dato alle forme della comunicazione in vista della promozione dell'identità nel consenso.
Non mi pare, così, che, come sostiene Minc, i media siano, nella gerarchia dei ter­mini della trinità su riferita, più un riflesso degli altri due - l' opinione e il giudice - che un motore (1995, p. 76). Credo piuttosto il contrario, giacché i media hanno una fortis­sima capacità di configurazione dell'opinione pubblica, come ormai sembra dimostra­to dagli innumerevoli studi sugli effetti dei media, specie dall' Agenda-setting o dalla Spirale del silenzio (11). O, come ha dimostrato l'importante ricerca di Joshua Meyrowitz sul ruolo dei media elettronici, nel profondo cambiamento della configurazione percet­tiva e cognitiva dei rapporti sociali e della distribuzione dei ruoli sociali. In effetti, con i media elettronici è venuta meno una percezione segmentata della tradizionale separa­zione dei ruoli sociali, sessuali, generazionali e politici, poiché questi media, facendo convergere verso uno stesso spazio o, come dice Meyrowitz, verso uno «stesso luogo», funzioni, ruoli e appartenenze diverse, «hanno favorito la confusione di molti ruoli sociali un tempo distinti», giacché, in effetti, «molte differenze che una volta si perce­pivano tra individui appartenenti a diversi "gruppi sociali", a diversi stadi di socializ­zazione e a differenti livelli di autorità, erano sostenute dalla suddivisione degli indivi­dui in mondi di esperienza molto diversi» (Meyrowitz, 1985, p. 10) (12).

7. L'emergenza dei media sia come luogo unico che come diretti protagonisti poli­tici informali ha profonde conseguenze su tutto il tessuto sostanziale della democrazia. Innanzitutto, la riduzione del cittadino a spettatore, consumatore, pubblico, come abbia­mo visto. Poi, la presenza prorompente dei media nello spettacolo democratico, con forti effetti sul processo di conquista (o di perdita) dei consensi per il potere.
Sono già classici i casi nei quali i media, specie la televisione, sono stati decisivi per la conquista dei consensi in vista della conquista del potere politico: Collor de Mello, in Brasile, Ross Perot, negli USA, Berlusconi, in Italia. Qui, rilevanti sono gli effetti dei media sul voto. Per l'Italia, rispetto alle elezioni politiche deI 1994, Luca Ricolfi ha cal­colato che la televisione ha provocato lo spostamento di circa 4 milioni di voti, provo­cando la vittoria deI centro-destra (Ricolfi, 1994, p. 1039). Ross Perot è riuscito a otte­nere i suoi consistenti e inaspettati risultati elettorali in base a talk-show e spot televi­sivi. Collor de Mello è stato eletto grazie all'intervento massiccio della televisione di Roberto Marinho (Sartori, 1997, p. 79).
Ma altrettanto significativo è il «comportamento» dei media nei confronti dello stesso potere suffragato, a elezioni appena concluse. Cioè gli effetti sul dopo voto, la presenza di forti effetti d'interpolazione sia sui risultati elettorali che sui governi in formazione.
Ho condotto una ricerca sulle reazioni della stampa portoghese - su 16 pubblica­zioni di ambito nazionale: 9 quotidiani e 7 settimanali, tra l'11 e il 31 ottobre 1999 - ­alle elezioni politiche del1999 (10 ottobre) (13). Il Partito Socialista (PS) aveva vinto queste elezioni, con sistema elettorale proporzionale (e il metodo della media più alta di Hondt), con circa il 44% dei voti e 115 deputati sui 230 deI Parlamento. Il suo diretto avversario, il PSD, Partito Socialdemocratico, aveva otte­nuto il 32,3% dei voti e 81 deputati. Gli altri erano tre piccoli partiti (PCP, CDS/PP, BE) che avevano raccolto insieme circa il 20% e 34 deputati. L'astensione era salita daI 32,9% al 38,1 %. Tutti i partiti avevano perso, a causa deI forte incremento del­l'astensione, molti voti rispetto alle elezioni deI 1995: CDS/PP - 15,6%; PSD ­- 13,15%; PS - 7,68%; PCP - 4%14. II nuovo governo, insediato il 25 ottobre, era costi­tuito quasi integralmente da membri del governo precedente (solo tre su 18 ministri non ne avevano fatto parte).
L'analisi ha compreso tutti i commenti, apparsi sulle pubblicazioni suindicate, che riguardavano sia i risultati elettorali che la formazione del governo. Ha anche incluso i cosiddetti «barometri» delle pubblicazioni (chi sale, chi scende, chi vince, chi perde, ecc.). E, quindi, su 148 commenti sui risultati elettoraIi 77 davano un giudizio negati­vo sul risultato ottenuto dal PS (sconfitta, obiettivo mancato, amara vittoria, mezza vit­toria, mezzasconfitta, ecc., perché i1 PS non aveva ottenuto la maggioranza asso luta dei seggi). Cioè il 52% dei commenti giudicava negativamente il più importante risul­tato elettorale che il PS aveva ottenuto in tutta la sua storia. Se consideriamo, addirittu­ra, proprio i tre più importanti ed influenti giornali («Público», «Diário de Notícias» e il settimanaIe «Expresso») l'effetto d'interpolazione aumenta ancora d'intensità: su 49 commenti, il 65,3% giudicava i risultati come negativi, deludenti, fino a considerarli come una vera e propria sconfitta elettorale. I commenti piu radicaIi venivano dagli edi­torialisti più influenti.
D'altra parte, sulla formazione del governo, su 79 commenti 63 hanno giudicato negativamente un governo ancora in formazione o appena insediato e, comunque, prima che esso prendesse qualsiasi iniziativa o decisione. Cioè parliamo del 80% di commenti negativi su un governo che aveva appena ottenuto una schiacciante vittoria elettorale.
Ho potuto, quindi, accertare, in questa ricerca, un grave conflitto tra il principio elettivo, quale fondamento delIa democrazia, e l'opinione dominante che circolava nella stampa portoghese. Oltrettutto, gli stessi rilevamenti statistici dello stato dell’opinione pubblica confermavano sia i risultati elettorali che gli alti indici di gradimento del governo (13). Si è verificato ciò che chiamo effetto sistemico d'interpolazione dei media, ossia una forte distorsione nelIa rappresentazione mediatica dei fatti, contravvenendo gravemente allo schema deontologico di riferimento originario: i legittimi risultati del voto popolare vengono distorti mediante sovraccarico interpretativo della linearità numerica dei risultati e della legittimità costituzionale di libera forma­zione di un governo di maggioranza, avendo come risultato l'inizio di un doppio pro­cesso di strisciante e informale revoca del mandato popolare conferito e di annulIa­mento deI vecchio e stabile principio della legittimità di mandato. A ciò sopravviene un nuovo e più debole principio di legitimita fluttuante, cioè proprio una legittimità che depende sempre di più dai media e dai sondaggi che dal voto e dal cittadino. Si riduce, così, il principio elettivo a pura designazione formale dei rappresentanti, diventando residuale la vera legittimità di mandato, e si provoca una evidente «discra­sia della rappresentanza», ormai soggetta ad un permanente e logorante processo di revoca strisciante e informale del mandato (attraverso la critica permanente della legittimità, poi misurata dai sondaggi e, di nuovo, indebolita con la critica, in un logoramento mediatico a spirale del potere politico democratico).

8. a) Principio elettivo doppiamente indebolito, da un lato, dalla persuasione stru­mentale - a carico dei media - della volontà elettorale, prima (nella formazione della volontà) e dopo (nell'interpretazione dei risultati) il voto, e, dall'altro, dalla discra­sia progressiva della rappresentanza, mediante I'irruzione di un nuovo tipo di legit­timità, la legitimita fluttuante, suscitata dalla revoca strisciante del mandato; b) cre­scente privatizzazione delle funzioni sociali dello Stato, corrispondente alla crisi dello Stato sociale; e c) frammentazione della classe media tradizionale, diventata «Middle class», con i connotati che già abbiamo visto (vedasi Scalfari, 1994, dove egli cerca di spiegare strutturalmente e storicamente il caso Berlusconi). Tutto ciò avviene in un ambiente di crescente volatilizzazione dell'istanza politica sempre piu fagocitata dal sistema dei media e dai corrispettivi poteri, cioè sia dai poteri proprie­tari che dalle élites che circolano all'interno dei centri del potere mediatico e delle reti emittenti (radio, giomali, televisione). Ma quanto più si volatilizza l'istanza poli­tica e si destrutturano i vecchi collanti della democrazia rappresentativa - specie la classe media tradizionale, lo Stato sociale e i partiti organici - tanta più rilevanza acquistano i cosiddetti poteri fattuali -`non elettivi né portatori di specifica legittimi­tà politica - e, tra questi, specialmente, i poteri mediatici, ormai sempre più lontani dalla loro fonte di legittimità, cioè dal loro schema deontologico di riferimento, e in crescente fase di concentrazione, da Murdoch a Berlusconi.
Si direbbe che i poteri fattuali, davanti alla progressiva discrasia della rappre­sentanza, abbiano come strumento politico privilegiato proprio i media (dei quali possono essere anche proprietari) in modo tale da legittimare le loro pratiche e da condizionare contemporaneamente sia l'accesso al potere legittimo che il suo stes­so esercizio. In effetti, l'irruzione dei media nel campo politico come protagonisti ha cambiato non soltanto i modelli di promozione del consenso in vista dell'ottenimen­to del potere, ma soprattutto il modello stesso di legittimità. Sostengo, in effetti, che da una legittimità stabile siamo ormai passati ad una legittimità fluttuante, cioè per­manentemente condizionata dai media e dai sondaggi in modo tale da indurre quel­la che ho chiamato «discrasia della rappresentanza». Verifichiamo appunto che al raf­forzamento del potere dei media corrisponde sempre di più l'indebolimento del pote­re elettivo, senza che ciò si traduca in una crescita effettiva del potere della pubbli­ca opinione o del singolo cittadino. In effetti, i media sono oggi un potere dotato di soggettività auto-riflessa e auto-referenziale che rappresenta più se stesso (come potere e come istanza sociologica) che il pubblico che dovrebbe rappresentare. Il loro è oramai un discorso più prescrittivo che descrittivo o semplicemente narrati­vo. «In trent'anni, la prima pagina del NYT (New York Times) è passata dal 90 per cento di notizie di tipo "agenzia" (cioè di "informazione asciutta") e 10 per cento di testo interpretativo o commentato alla proporzione inversa: 90 per cento di commen­to o analisi rispetto al 10 per cento di notizie in senso stretto» (Mesquita 2003). È il ritomo della dottrina della persuasione, solo che, questa volta, al servizio dei media stes­si o dei poteri che essi, il più delle volte, rappresentano, a cominciare dallo stesso potere aziendale privato che li gestisce.

9. È vero che una barriera formale e morale viene innalzata ogni volta che si paria di strumentalizzazione o di manipolazione dei media. Ma i casi sono troppi, le eviden­ze tante e lo stesso sistema operativo tale che non possiamo non dire che ormai vivia­mo una vera e propria contraddizione tra il funzionamento reale dei media e la loro fun­zione sociale originaria, tale in quanto poggiata su uno schema deontologico di riferi­mento che fonda la loro legittimità.
Un'analisi elementare dell'impianto e della strategia aziendale della maggior parte delle imprese e dei gruppi di comunicazione dimostrerà che cresce sempre di più il divario tra i modelli operativi e imprenditoriali dei media e la loro matrice normati­va, che decorre dalla loro funzione sociale originaria e dal corrispettivo codice deonto­logico e che fonda la speciale legittimità del loro operare rispetto a tutti gli altri setto­ri. Legittimità che ormai, vista la crisi della rappresentanza, viene presentata come equi­valente a quella che scaturisce dal principio elettivo, concedendo così al potere media­tico uno statuto pari, o addirittura superiore, a quello del potere politico.
Insomma, siamo davanti a mutazioni strutturali, nei rapporti tra i media e la demo­crazia, tali da prefigurare il passaggio a forme di democrazia di tipo post rappresenta­tivo, ma tali anche da preannunciare possibili sbocchi devianti rispetto al DNA della democrazia.
Certo, molte e importanti sono state le mutazioni globali che nel frattempo si sono verificate: cambiamenti strutturali nella geografia e nelIa geometria urbana (15); l'emer­genza della «middle class» come referente sociale fondamentale della società post indu­striale; la rivoluzione della microelettronica e delle comunicazioni in genere; l'intensi­ficazione dei flussi migratori internazionali; la fine della bipolarizzazione politica, stra­tegica e ideologica; la caduta delIe ideologie tradizionali; l'emergenza delIa scienza e della tecnica come forze produttive dominanti; la frantumazione dei grandi agglomera­ti sociali, specie della classe media tradizionale; la forte accelerazione delIa mobilità sociale.
Si potrebbe comunque parlare di uno speciale momento spartiacque a livello mon­diale: la Rivoluzione Europea del 1989. Il 1989 rappresenta, in effetti, il punto di svol­ta politico-sociale di una profonda mutazione che si stava dispiegando da qualche anno.
Si tratta di una mutazione talmente complessa da rendere molto difficile gerarchiz­zare i fattori del cambiamento. E tuttavia credo di aver individuato nella rivoluzione mediatica uno dei cardini della grande svolta: dal ruolo svolto dai mezzi di comunica­zione nello svolgimento della Rivoluzione del 1989 fino alla mondializzazione della comunicazione televisiva (il trionfo della CNN nelIa prima Guerra del Golfo) o al trionfo del sistema privato dei mezzi di comunicazione e corrispettiva imprenditoria­lizzazione.

10. In effetti, i media hanno svolto un ruolo di prim'ordine nelle mutazioni che si sono verificate nei sistemi sociali. E proprio questo ruolo li ha resi coscienti del potere che ormai detenevano all'interno della società, in particolare rispetto all'istanza politi­ca, in modo tale che da strumenti di comunicazione al servizio delle istanze tradiziona­li dell'azione politica sono diventati loro stessi diretti protagonisti politici. Ma è pro­prio questo cambiamento che suscita interrogativi dal punto di vista della legittimità: è conciliabile lo status di protagonisti politici con la funzione sociale originaria ed il cor­rispettivo schema deontologico di riferimento che ne fonda la legittimità? Di più: come si può conciliare l'esclusività strategica della lotta per l'«audience» con lo schema deontologico di riferimento? E ancora: il domínio totale - nel sistema operativo domi­nante dei media, specie in quelli che hanno adottato il modello tabloid - dello strumen­to nucleare di conquista dell'«audience», l'emozione indotta, è compatibile con la fun­zione sociale originaria dei media?
Io credo che le risposte non possano essere che negative. Cioè constatato il punto di svolta, verificato l'importante ruolo dei media nella svolta, concludiamo che la strada che stiamo percorrendo ci condurrà a forme devianti di democrazia (che molti identifi­cano con un populismo elettronico che si potrebbe «riempire» politicamente con conte­nuti neocorporativi) se non cambiamo direzione, cominciando dalla rivalutazione del­l'istanza elettiva e di tutti i meccanismi su cui poggia, arrivando a proporre come nuova utopia la vecchia legge kantiana della ragion pratica: agisci in modo tale che la massi­ma della tua volontà possa sempre valere allo stesso tempo come principio di una legi­slazione universale (Kant 1788, I, capo I, par. 7).

Note

(1) In questo saggio cerco di incrociare la teoria dei media con la teoria politica, riflettendo sugli effetti dei media sui meccanismi centrali della democrazia rappresentativa e sulle mutazioni strutturali che essi vi stanno provocando. Perciò dovró utilizzare dei concetti che mi permettano di addentrarmi meglio nei sofi­sticati meccanismi in mutazione. Mi appresto, poi, ad evidenziare e a definire quelli che, a mio parere, sono i più funzionali alI'analisi: 1. «effetto d'interpolazione» dei media, che può diventare «effetto sistemico d’interpolazione» (quando i media distorcono la linearità dei fatti mediante sovraccarico interpretativo); 2. «legittimità fluttuante» (per opposizione alla «legittimità di man­dato» conferita dal voto indirettamente a governo; la «legittimità fluttuante» diventa dominante e rispecchia l'immagine del governo secondo i media e i risultati dei regolari sondaggi d'opinione); 3. «revoca striscian­te e informale del mandato» (rappresenta l'intervento regolare dei media e dei sondaggi d'opinione con effetti sul logoramento dell'immagine del governo); 4. «schema normativo di riferimento» (codi­ce deontologico d'origine anglosassone, dove l'imparzialità, l'obiettività, la neutralità, l'equilibrio, la rilevanza e il plu­ralismo sono i principi portanti); 5. «discrasia della rappresentanza» (cattiva mescolanza, dove il potere poli­tico diventa debole quando la legittimità fluttuante si sovrappone alla legittimità di mandato).
(2) Quanto detto da Abruzzese, in «Elogio deI tempo futuro. Perché ha vinto Berlusconi» (1994, p. 14), rispetto al grande cambiamento verificatosi in Italia neI 1994, con la vittoria di Silvio Berlusconi nelle elezioni deI 27 marzo, rientra, a mio parere, neI processo di mutazione della matrice della democrazia rappresentativa ad opera dei media: «Quando un partito nasce con la rapidità di una catastrofe, quando uno schieramento prende il potere nei modi immediati e inattesi di una rivoluzione, è iI caso di riflette­re sulla solidità delIe mura che cingono la città da difendere e sull'abilità dei guardiani a cui erano affi­date le porte di accesso alle piazze, alle strade, ai mercati e alle sale del governo. È iI caso di ripensare anche alla qualità stessa della città che abitiamo, che crediamo di conoscere. Forse ci potremmo accor­gere che la nostra città è mutata radicalmente e che non il vincitore ma lo sconfitto rischia di essere recepito come un estraneo, uno che viene da fuori, che ha vissuto e, peggio ancora, continua a vivere all'esterno delle sue mura».
(3) «Siccome recettività, capacità cognitiva e attenzione del pubblico», dice Habermas, «sono risorse straordinariamente scarse - per la cui conquista le reti televisive si danno quotidianamente battaglia - la pre­sentazione di notizie e commenti deve quasi sempre sottostare alle strategie di mercato e alle "ricette" degli esperti di pubblicità (italico mio). Personalizzare i problemi oggettivi, mescolare informazione e divertimento, elaborare i dati in maniera episodica, frammentare i contesti: questi sono i fattori incremen­tanti la sindrome di "spoliticizzazione" che colpisce la comunicazione pubblica» (1992, p. 447).
(4) Non aveva ragione, quindi, Clinton quando, nel 1993, invitato a cena dalla Radio and Televison Correspondents Association fece una affermazione stupefacente che lasció i giornalisti alquanto arrabbiati: «Sapete perché posso ignorarvi alle conferenze stampa? Perehé Larry King mi ha liberato da voi, mettendo­mi in contatto direttamente con il popolo americano» (Tonello, 1999, p. 40). In effetti, Clinton parla diretta­mente al popolo, ma da un pulpito, quello di Lany King, di una importante cattedrale mediatica, la CNN.
(5) La letteratura sul tema è ormai sterminata, sia riguardo al '94 che alle altre elezioni politiche. Comunque, su Forza ltalia è molto interessante il lavoro di Poli (2001).
(6) Dirompente fu davvero l'alleanza tra i media e i giudici di «Mani pulite» soprattutto quando venivano trasmessi direttamente in TV i famosi processi, con tanto di umiliazione pubblica degli antichi dirigenti politici. Dirompente è stata, in Portogallo, l'alleanza tra il potere giudiziario e i media nella gestione del processo di pedofilia e che ha visto imputati importanti personaggi del mondo politico, diplomatico e dello spettacolo, laddove, tutti i giorni, i brani processuali coperti dal «secreto istruttorio» venivano pub­blicati a sostegno delle rispettive strategie.
(7) Vedasi, rispetto alla «middle class», ciò che dice la Wikipedia: «In Europe and the United States, indu­strialization eventually caused the middle class to swell at the expense of the lower, so that by the middle of the 20" century it constituted a majority. Now, the label is often swollen to cover the bulk of society and its norms. As the swollen middle class lost its distinctive usefulness as a label, observers invented sub­labels: we often detected in contemporary societies at least an "upper middle class" and a "lower middle class". Modern political economy considers a large middle c1ass to be a beneficial, stabilizing influence on society, because it has neither the explosive revolutionary tendencies of lower c1ass, nor the stultifying greedy tendencies of the upper class» (
http://en.wikipedia.org.lwiki/Middle-class). Oppure la Encarta della Microsoft: «Among the United Kingdom population, the upper middle class (such as senior managers and professionals) forms around 10 per cent; the true middIe c1ass (such as teachers and administrators) around 20 per cent; and the lower middle class, traditionally known as the petit bourgeoisie (small-business peo­ple junior office workers), 20 per cento. Combining all of these sectors, this makes the middle class the lar­gest class in British society» (Microsoft Encarta 98 Encyclopedia. 1993-1997 Microsoft Corporation).
(8) Il concetto di "rappresentazione" ha molti sensi: spettacolo, atto conoscitivo, descrizione matemati­ca. "Rappresentanza" ha un senso giuridico oppure un senso politico, nella democrazia rappresentativa. In queste riflessioni mi riferisco ai due primi sensi di "rappresentazione" e all’ ultimo senso di "rappresentan­za", cioè al mandato non imperativo.
(9) Per indurre distanza critica rispetto all'eccesso di identificazione del pubblico con la rappresentazio­ne, Brecht ha evidenziato, nel teatro, un «effetto di straniamento» (Entfremdungseffekt) che provoca appun­to differenza critica nello spettatore: «si tendeva a far recitare gli attori in maniera da rendere impossibile allo spettatore di immedesimarsi sentimentalmente con i personaggi del dramma. L'accettazione o il rifiu­to di ciò che questi facevano o dicevano doveva avvenire nella sfera cosciente dello spettatore, e non, come era avvenuto finora, nel suo inconscio» (Brecht 1937-1956, p. 103).
(10) Lo stesso Popper, che critica radicalmente lo stato della cultura televisiva, paradossalmente, ma non troppo, nella sua Lisbon Lecture, del 1987, nella Fondazione Calouste Gulbenkian, sostiene una teoria della democrazia che si avvicina proprio a questo modello della democrazia del pubblico, dove il cittadi­no ha soltanto il compito di «bocciare» i governi, determinando, attraverso una capacità meramente nega­tiva, la regolare sostituzione dei governi all'interno di un processo di circolazione interna delle élites (veda­si la mia critica a Popper in Santos, 1998, pp. 32-38).
(11) Ma è vero che sulla teoria degli effetti i teorici sono molto divisi tra l'ipotesi minimalista (effetti limitati) e l'ipotesi massimalista (powerful media). Tra gli altri, vedasi: Wolf (1992); Bentivegna (a cura di) (1994); Bryant e Zillmann (a cura di) (1994); Tonello (1999, pp. 203-223).
(12) Ma si veda anche la critica di Habermas: «Ma questa abolizione dei confini va di pari passo con la moltiplicazione dei ruoli contemporaneamente specificati, con la pluralizzazione delle forme di vita e l'in­dividualizzazione dei progetti di vita. Lo sradicamento è accompagnato dalla costruzione di particolari appartenenze e provenienze comunitarie, il livellamento dall'impotenza di fronte alla complessità sistemi­ca non compresa. Si tratta piuttosto di sviluppi complementari intrecciati l'uno con l'altro. Così, i mezzi di comunicazione di massa producono effetti contrastanti anche in altre dimensioni. Molte cose fanno pensa­re che il potenziale democratico di una sfera pubblica, la cui infrastruttura reca l'impronta delle crescenti pressioni selettive della comunicazione elettronica di massa, sia ambivalente» (1962, XLII-XLIII).
(13) I risultati presentati in «La scienza è una curiosità» (Bari, Manni, 2004) erano ancora provvisori. Vedasi ora Santos (2009, pp. 259-261).
(14) Il partito più colpito è stato il CDS/PP (il quarto partito tra i cinque con presenza parlamentare, non considerando i Verdi, giacché questi si presentano sempre in coalizione con il PCP), con meno il 15,6% dei voti rispetto alle elezioni politiche del 1995. Ma ciò non ha impedito alla giornalista del «Público» - uno dei più influenti quotidiani portoghesi - Eunice Lourenço di dire (11/10/99, pag. 6) che il leader di que­sto partito di destra, Paulo Portas, fu il vero vincitore di queste elezioni («Portas pôde cantar vitória»; «con­tudo, a noite de ontem foi de vitória para Portas»; «e a noite acabou em alta, com Portas a fazer uma decla­ração honesta, em que não embandeirou vitória, e se alguém podia fazê-lo era ele»).
(15) Per esempio, qualcuno spiega, almeno in parte, come Lewin (1988), l'irruzione del fenomeno della Perestroika con i profondi cambiamenti di questo tipo che si sono verificati negli ultimi decenni dell'URSS.

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[“La scienza e una curiosità". Scritti in onore di Umberto Cerroni a cura di Cosimo Perrotta,
Manni Editori, San Cesario di Lecce, 2004, con interventi di MANLIO MAGGI, FRANCESCO MARTELLONI, ORESTE MASSARI, ANNA MARIA NASSISI, ROSALBA NESTORE, ALESSANDRO ORSINI, COSIMO PERROTTA, CESARE PINELLI, GRAZIELLA PISANÓ, MICHELE PROSPERO, CESARE SALVI, ALFREDO SENSALES, CELESTINO SPADA, GHEORGHE LENCAN STOICA, EGIDIO ZACHEO, RICCARDO CAPORALI, ANDREA CERRONI, AQUILES CHIHU AMPARÁN, JOÃo DE ALMEIDA SANTOS, FABIO DE NARDlS, VITANTONIO GIOIA.]