«Senhor HU, deite abaixo este Grande
Firewall!»
Hillary
Clinton
«O nosso objectivo é mudar o mundo»
Eric Schmid, chefe executivo do Google
Procuro, neste ensaio[1],
retirar consequências do novo modelo de comunicação digital do ponto de vista
da emergência de um novo espaço público deliberativo, que nasceu com a
rede, propondo, ao mesmo tempo, uma reflexão não só em torno da questão da
democracia digital (no caso italiano), mas também em torno do problema da
regulação dos fluxos informativos e comunicacionais neste espaço e das
tentativas do seu controlo por parte dos poderes nacionais, em nome da sua
soberania, mas em conflito aberto com a liberdade de informação e de comunicação
inscrita no «espaço intermédio» reticular (caso chinês). Um problema que,
afinal, não se põe só aos regimes autoritários, mas também às próprias
democracias representativas. Um problema de regulação dos fluxos
comunicacionais. Um problema, portanto, muito mais complexo do que o da
liberdade digital no quadro de um regime autoritário.
Entro, deste modo, num tema que ganha cada vez mais importância
nos dias que correm. A propósito do caso Google/China, alguém falou de um combate digital entre um David e um Golias.
Outros dizem que só a consciência da própria força é que permitiu ao Google
enfrentar abertamente o colosso chinês, em vez de negociar nos bastidores, como
é próprio do mundo empresarial (Pisani, 2010: 27). Perspectiva que, de
resto, parece hoje cada vez mais plausível visto o potencial do mercado chinês
nesta – como noutras – área. A questão motivou uma intervenção de Hillary
Clinton, exigindo publicamente respeito pela Web a nível global e defendendo a
liberdade universal online. Com refere Timothy Garton Ash (2010: 27), sem ser tão radical como Ronald Reagan -
quando, dirigindo-se a Gorbatchov, disse, em Berlim, «Senhor Gorbatchov, deite
abaixo este Muro» -, Hillary disse, de facto: «Senhor Hu, deite abaixo este
Grande Firewall»! Sobretudo, o que está em questão, com a actualíssima
questão chinesa (ou iraniana), é a relação entre a universalidade da
Rede, a liberdade individual e as soberanias
nacionais. Questão que se põe à China ou ao Irão, outro protagonista
da censura digital, e, em geral, àqueles que eram considerados,
pelos «Repórteres Sem Fronteiras» (Alandete, 2010: 32-33), como «os
12 inimigos da Internet» (Cuba, Egipto, Coreia do Norte, Síria, Tunísia, Arábia
Saudita, Vietname, Myanmar, Turkemenistão e Uzbekistão, além da China e do
Irão), mas que se põe também às democracias ocidentais. É claro que a
verdadeira questão é a questão da liberdade de informação e comunicação,
sobretudo quando, por um lado, estamos perante uma escala global e um acesso
globalmente livre (em teoria) e, por outro, estamos perante sistemas políticos
nacionais mais ou menos autoritários, tradicionalistas ou fundamentalistas, que
não podem conviver com a livre circulação da informação, vertical ou horizontal
que seja. E também é claro que não podemos falar somente em liberdade política,
de opinião, de informação e de acesso ao conhecimento. Falamos também de
entretenimento, de acesso a bens, de comércio, de negócio, de actividade
económica. De uma realidade muito bem retratada por Don Tapscott, na estimulante Introdução ao
livro de Juan Luís Cebrián, La Red:
«o mundo desenvolvido está
a deixar de ser uma Economia Industrial baseada no aço, nos automóveis e nas
estradas para se converter numa Economia Digital baseada no silício, nos
computadores e na rede» (Cebrián,
2000: 20).
Ou seja, falamos daquela transição que Nicholas
Negroponte identificava, em «Being Digital», como passagem dos átomos aos
bits (Negroponte, 1995: X). Mas falamos também da emergência de um universo
que não está imune, bem pelo contrário, às práticas desviantes, como a
pornografia infantil ou o terrorismo. Falamos, pois, do ponto de vista dos
conteúdos, de mundividências, de estilos de vida, de informação e cultura, de
economia, de política, de comunicação e de práticas reais, tudo conteúdos
circulantes sob forma digital, mas com um impacto decisivo sobre países, grupos
sociais e indivíduos singulares. É por isso que a questão não se põe só para os
países governados por sistemas autoritários. Ela põe-se também para as
democracias ocidentais, sujeitas como estão a desvios claramente incompatíveis
com os grandes princípios por que se regem – desde a ciberpirataria até à
pornografia ou à pedofilia difusas, ao terrorismo. Trata-se também aqui,
afinal, da questão de uma regulação dos fluxos informativos e
comunicacionais que circulam na rede universal, que não afecte, todavia, a
liberdade responsável. A questão é, porém, bem mais complexa do que a que
se põe aos meios de comunicação tradicionais, sabendo nós que, afinal, a
própria regulação dos media tem sido tão sensível quão difícil
e complexa, até quase à impraticabilidade. Porque a Rede tem uma dimensão
global, tratando-se, ao mesmo tempo, de um sistema muito mais complexo,
estruturado a partir de uma lógica relacional (a da relação «many-to-many»,
entre variáveis independentes), massificado, mas individualmente orientado, com
diversas modulações de acesso, emissão, recepção e interacção e sem centros de
comando equivalentes aos dos media
tradicionais. Uma regulação, portanto, muito mais difícil e complexa. Além
disso, neste mundo da globalização de processos e da comunicação continuam a
manter-se as soberanias nacionais, as lógicas, os processos e as relações
locais. E a própria natureza, por mais que se queira, ainda continua a caminhar
com os ritmos implacáveis da sua própria e lenta temporalidade. De resto,
alguém definiu esta coexistência com uma palavra de compromisso: glocal,
ou seja, pensar global e agir local. E a questão também é esta: até
que ponto a lógica global tenderá a colonizar a acção local? Ou, então: até que
ponto a lógica local tende a reforçar-se e a criar mecanismos de defesa perante
uma ameaça de colonização por parte de uma lógica global, exógena, externa? O
problema, como se sabe, consiste em compatibilizar a preservação das
identidades locais ou nacionais, a sua, digamos, soberania, com a assunção da
lógica global, demarcando os planos em que se afirmam ambas. No fundo, é sempre
a questão da relação entre sistema e indivíduo, entre universal e particular,
lá onde é sempre indesejável que um subsuma o outro, sobretudo, aqui, onde
desapareceram os mediadores. Foi por isso que se formulou essa ideia de
traduzir o pensamento global na linguagem da identidade local: glocal. Mas
a questão é incontornável: pode um Estado autoritário conviver com uma
informação sem fronteiras - suportada, além disso, numa
infra-estrutura global, como é a Rede -, mesmo que se trate de um despotismo
iluminado? O que regressa sempre ao debate é a própria questão democrática. E,
assim, a questão de um novo espaço
público deliberativo que remete mais para o indivíduo singular do que para
as grandes organizações. De resto, a questão da compatibilidade entre as
identidades nacionais e uma cidadania universal (embora ele estivesse mais
preocupado em fundamentar uma cidadania europeia) foi muito bem analisada e
demonstrada por Habermas num excelente texto sobre «Cidadania e identidade
nacional» (Habermas, 1991: 123-146). De qualquer modo, um novo espaço
público deliberativo representará sempre a possibilidade de conversão
decisional e institucional da deliberação pública, do que ocorre, sob forma
pregnante, semanticamente intensa e virtualmente imperativa, no espaço público
deliberativo.
O novo espaço público deliberativo e os seus inimigos
O novo espaço público deliberativo e os seus inimigos
Castells identificou, em «Communication, Power and Counter-Power
in the Network Society» (in «International Journal of Communication», Vol.
1, 2007), esta nova realidade da rede através do conceito de «mass self
communication», de comunicação individual de massas. Conceito que
até parece, à primeira vista, contraditório, já que a afirmação individual
resiste à ideia de uma sua anulação nesse universo compacto das massas. Mas é
por isso mesmo que ele é interessante, além de eficaz. Com efeito, quando se
fala deste universo, na «mass self communication», fala-se na capacidade
expansiva universal do sistema em rede, precisamente a partir de pólos
individuais, mas múltiplos ao infinito. Lá onde o acesso é directo e sem
mediações, mas onde, por isso mesmo, esta possibilidade de expansão está
condicionada, à partida, pelas competências do próprio emissor individual, pela
sua capacidade de produzir conteúdos consistentes e de os difundir no interior
do sistema, pela sua genialidade e também pela sua capacidade de entrar no
sistema dos media convencionais,
ainda indispensáveis para uma boa difusão na própria rede. Trata-se, pois, de
uma poderosa revolução que permite agir directamente no interior do espaço
público como nunca antes acontecera. Um espaço público que, agora sim, pode ser
considerado como um verdadeiro espaço público deliberativo. Mas é
por isso mesmo que muitos – por exemplo, o próprio Castells - já começam a
chamar a atenção para as manobras vastíssimas que se estão a verificar neste
espaço, o da rede, não só através da sua ocupação, ou colonização, pelos media convencionais, no plano dos
conteúdos e dos seus «agentes orgânicos», mas também internamente, por parte de
grupos ou de países – como a China, com a sua «Grande Muralha de Fogo», ou
seja, a censura online da República Popular - que temem que
este se venha a transformar num perigoso espaço de contrapoder,
ameaçador de uma ordem que não pode conviver com a liberdade própria deste novo
espaço público deliberativo. Diz
Castells: as elites dominantes vêem-se, assim, desafiadas por movimentos
sociais, projectos de autonomia individual ou políticas insurreccionais que
encontram um ambiente muito mais favorável nesse universo emergente da «mass
self communication». Deste modo, ao que se assiste é a uma nova fase e a um
novo modo de construção do poder no espaço de comunicação, quando os poderosos
compreendem que é necessário responder ao desafio lançado pelos networks
de comunicação horizontal. Que significa isto, diz ele? Significa ter
necessidade de vigiar a Internet, como acontece nos USA, apesar de nem assim
conseguirem evitar as constantes intrusões no seu sistema, designadamente por
parte da China, tendo-se registado, só entre Janeiro e Junho de 2009, 43.785
casos de ciberpirataria, no que vem sendo uma subida exponencial desde 2000 (de
1415 para 87.570, em 2009) (Fonte: Reuter/La Repubblica); de
controlar manualmente o correio electrónico, se não se dispuser de um robot em
condições de o fazer com eficácia, como comprovado pelas últimas descobertas na
China, onde, segundo Federico Rampini, 15.000 técnicos trabalham em permanência
no controlo da informação, muitas vezes usando os mesmos métodos dos
ciberpiratas; de tratar os utentes da Internet como piratas e vigaristas, como
está abundantemente previsto na legislação da UE; de adquirir «sítios» da WEB
de social networking, para controlar as suas comunidades; de
adquirir as infraestruturas de rede para fazer discriminações nos direitos de
acesso. Em suma, de recorrer a tantas tácticas de controlo e de delimitação
daquele que é o mais recente modelo de espaço de comunicação. Isto diz
Castells. E com isso ele quer dizer que esta grande revolução no espaço público
começa agora, muito antes de ter despoletado a suas imensas e exponenciais
capacidades, a conhecer ela própria a sua própria contra-revolução. Porque do
que aqui se trata, de facto, não é ainda, infelizmente, da desejada regulação, mas de controlo, de censura e
de ciberespionagem. Ou mesmo de desqualificação, por parte de personagens
insuspeitos, como Finkielkraut ou Séguéla, que, num momento certamente menos
feliz, ousaram considerar a Net como «poubelle de la démocratie» ou como «la
plus grande saloperie jamais inventée» («Nouvel Observateur», Nov./Dez.,
2009). Uma coisa é certa: o mundo não volta para trás e a natureza da Internet
é tal que o controlo se torna cada vez mais difícil. E o que eu creio é que ela
já nos trouxe mais coisas positivas do que negativas. E uma delas é a do poder
que o indivíduo singular readquiriu, ao libertar-se desses intermediários
(«gatekeepers» do espaço público) que tendem sempre a transformar a própria
mediação em princípio e fim do processo democrático. Como dizia Bill Gates: «a
China, de qualquer modo, será melhor do que antes, graças a nós». Mas eu creio
que não será só a China: será o mundo em geral.
A rede em ambiente autoritário: o caso chinês
O caso da China, de resto,
é um caso que importa analisar, uma vez que as autoridades de Pequim,
sobretudo a partir do famoso discurso de Al Gore sobre a «construção da
autoestrada da informação», têm vindo a dedicar atenção crescente à rede, uma
vez que consideram as novas tecnologias como um meio idóneo para melhorar a
vida dos cidadãos, embora não tanto para aprofundar o seu nível de participação
política, ou seja, como um meio que há que manter fundamentalmente no plano
económico (Qiu, 2011: 140). Em 2003, os internautas chineses eram mais de 59
milhões, para cerca de 21 milhões de computadores ligados à rede, constituindo
a terceira maior rede mundial de internautas, depois dos EUA (165,2 milhões, em
2002) e do Japão (61,1 milhões, em 2002). Mas, em 2007, já havia 210 milhões de
utilizadores de Internet na China, um número muito próximo daquele que os EUA
exibiam nessa altura, 216 milhões. Um ano depois, em 2008, segundo o CNNIC, o «Centro de Informação da
Rede de Internet Chinesa», a China já dispunha de 253 milhões de utilizadores
da Internet, o que o tornou no país com maior número de utilizadores do mundo
(Castells, 2009: 370-371). O crescimento da rede é, na China, de facto,
absolutamente exponencial. Com efeito, se em 2003 ele representava somente
cerca de 4.5% da população, embora o ritmo de crescimento anual fosse
absolutamente impressionante, 262% por ano, desde 1995 (data do início, quando
existiam apenas 5 telefones por cada 100 habitantes) até 2003, em 2008, ele já
representava cerca de 19,5% da população, com 253 milhões, e em 2012 (30.06)
representava 40,1%, com cerca de 538 milhões de utilizadores, para uma
população de 1.343.239.923 habitantes[2].
Mas a verdade é que, em 2003, os usuários ainda representavam, em boa medida,
uma elite. Vejamos (dados de 2003): quando o rendimento per capita médio chinês
era de cerca de 84 dólares, a média exibida pelos utilizadores de internet,
entre 1997 e 2003, era de 164 dólares, quase o dobro; e quando a média chinesa
geral de cidadãos com instrução superior correspondia a 3,6%, a média exibida
pelos utilizadores de internet era de cerca de 72%. Ou seja, a Internet era
ainda usada por uma elite: com dinheiro, com instrução superior, mas também com
menos de trinta anos e masculina (Qiu, 2011: 143). Como contraprova, basta
dizer que, correspondendo a população rural chinesa a 69% da população, somente
um por cento era, nesta data, internauta. Outro dado interessante, para o nosso
objectivo, é que 80% dos utilizadores visitavam, em 2003, páginas web
nacionais, 13% páginas em chinês estrangeiras e só 6% liam conteúdos em línguas
estrangeiras e em sítios web estrangeiros (Qiu, 2011: 144)[3].
Também estes dados dizem muito acerca das características dos utilizadores e
das limitações com que os conteúdos circulavam na rede, facilitando, assim, a
tarefa ao poder político instalado. Entretanto, a China já contava, em 2000, com cerca de 1.250.000
Kms de fibra óptica. Hoje, tudo mudou, com essa massa imensa de utilizadores de
uma tecnologia que, por mais controlos que haja, tem efectivamente um enorme
potencial libertador, com o qual os poderes terão cada vez mais de se
confrontar.
Diz Jack Linchuan Qiu, investigador da «Annenberg School for
Communication» da Universidade da Califórnia do Sul e cofundador do «Grupo
Electrónico de Investigação em Internet da China»:
«A idiossincrasia mais
intrigante da Internet na China é que, apesar do potencial libertador da
tecnologia, a sua alta velocidade de crescimento possa manter-se dentro do
marco do sistema político actual dominado pelo partido comunista» (2011:
150).
E esta é mesmo a questão que aqui nos interessa. Como se explica
a convivência feliz de uma tecnologia libertadora num país politicamente
autoritário e, mais ainda, com o poder político a apostar nela, como negócio?
Será suficiente toda a parafernália de dispositivos de controlo estatal sobre a
rede? O desenvolvimento que ela induz não acabará por suscitar fortes
exigências de liberdade política? Ou a rede poderá ser colonizada ideologicamente pelo poder político, por um lado,
controlando os fluxos do ciberespaço, por outro, pilotando os conteúdos através
da influência sobre as elites (incluída a económica), embora cada vez mais esse
«espaço intermédio» se esteja a transformar num imenso espaço público acessível
a todos? A censura sobre a internet pode assumir a forma mais suave de
«regulação»? Ou os conteúdos que nela circularão poderão ser, por um lado,
enquadrados por uma forte hegemonia político-cultural do partido comunista e,
por outro, por indústrias culturais e estilos de vida politicamente inofensivos,
induzidos pelo poder instalado?
O problema é complexo, até porque se uma parte do poder político
- por exemplo, os tecnocratas do Ministério
da Indústria da Informação (MII), defensores de uma aceleração do
desenvolvimento com base tecnológica - aposta fortemente na rede, já o «Comité de Direcção do Conselho Estado para a
Informatização» (integrado por
representantes do MII, mas também pelo Departamento de Propaganda do PCC, do
Gabinete de Informação do Conselho Estatal, do Ministério da Segurança Pública,
dos Serviços Secretos do Estado e do Exército de Libertação do Povo), a maior
instância de decisão nacional sobre assuntos da rede, valoriza, mais do que a economia, a consolidação e a expansão do poder político chinês, logo, necessariamente
o controlo apertado dos fluxos de informação. Assim sendo, é natural que o
fluxo da rede esteja sujeito a normas de controlo muito apertadas, desde o
início do processo (1996-1997):
(a) todo o tráfego
internacional de Internet deverá passar por canais aprovados oficialmente;
(b) todos os fornecedores
de serviços Internet deverão possuir uma licença; (c) todos os utilizadores de Internet deverão registar-se;
d) a «informação danosa,
subversiva ou obscena» será proibida.
Outras iniciativas foram tomadas em nome da segurança na rede,
emanadas das instituições encarregadas da segurança nacional (Ministério da Segurança Pública, Serviços Secretos, etc.). Em 2000, foram
promulgados seis decretos reguladores relacionados com os segredos de Estado,
com as operações comerciais on line,
com os serviços de informação e de notícias e com a segurança na rede, visando
sobretudo os fornecedores de conteúdos: licenças especiais, informações
detalhadas sobre os utilizadores da rede, proibição de titularidade de acções
por empresas estrangeiras nas empresas de fornecimento de conteúdos.
A «regulação» revelava, de facto, segundo Qiu, uma «cultura
empresarial de censor» (Qiu, 2011: 151). Este sistema de «regulação» é
garantido por inúmeros agentes ligados às forças de segurança. De resto, a
China ficou conhecida pela famosa «Grande Muralha de Fogo» (Great Firewall),
que bloqueia o acesso a informação
considerada prejudicial, amplamente definida, talvez até cerca de 10% dos
sítios da World Wide Web (Qiu, 2011: 152). Segundo Castells, «uma série de
sítios web de todo o mundo, incluídos alguns dos principais meios de
comunicação do ocidente, como o “New York Times”, estiveram bloqueados durante
certos períodos e alguns dos sítios mais populares, como o Youtube, estiveram encerrados na China
em momentos críticos». Na verdade, só os sítios mais conhecidos estão
bloqueados. A maioria dos sítios web, incluídos os dos principais meios de
comunicação ocidentais, só estão bloqueados em períodos de tempo limitados
(2011a: 372). As instituições utilizam
também tecnologias intranet e de rastreio avançadas, tal como programas para
filtrar conteúdos, como o famoso «Projecto escudo dourado» (cuja criação foi
confiada à CISCO), o sistema de bloqueio mais sofisticado do mundo. De facto, a
partir de 2002 o processo de bloqueio sofisticou-se ainda mais e tornou-se mais
agressivo. E a verdade é que quem se atrever a passar a linha vermelha marcada
pelas autoridades arrisca-se a ter perturbações no seu terminal e a ir parar à
prisão. Isto, como se compreende, cria dificuldades ao desenvolvimento e ao
próprio investimento estrangeiro, que encontra uma rede agrilhoada, menos
rápida, menos eficiente e menos livre. Mas se isto é verdade, também é verdade
que, do ponto de vista interno, esta frenética e vasta actividade de controlo
encontra os seus clientes, gerando postos de trabalho e boas oportunidades
empresariais, no interior do quadro normativo definido pelo Estado.
E, todavia, este vasto sistema de controlo dos fluxos da rede
chinesa não consegue controlar eficazmente os utilizadores individuais. Por
exemplo, é possível usar a rede nos cibercafés, usando cartões online pré-pagos. Por outro lado, os
utilizadores conseguem iludir os sistemas de vigilância utilizando uma
linguagem menos directa, iludindo os sistemas automáticos de detecção. No seu
estudo sobre a eficácia real do controlo da Internet na China, Fan Dong
descobriu que, nos fóruns de internet sobre a China, os temas mais delicados
(Falun Gong, Tiananmen) não eram tratados directamente em nenhum foro
(Castells, 2011: 374). E também é claro que os movimentos mundiais não
alinhados com a China dispõem de recursos de Internet capazes de iludir a rede
de controlo chinesa.
A situação não é, como se vê, linear. O sistema chinês de
censura, por um lado, tem vindo a agir por reacção a posteriori perante
condições não previstas e, por outro, funciona em registos paralelos, ou não
convergentes, uma vez que não se verifica uma clara hierarquia de funções neste
domínio, coexistindo instituições com lógicas claramente diferenciadas como,
por exemplo, por um lado, a da economia e do desenvolvimento acelerado e, por
outro, a da política de um Estado autoritário; por outro lado, ainda, visto o
crescimento deste sistema, o que se está a verificar é uma progressiva aliança
estratégica com a indústria global das tecnologias da informação,
designadamente pelo interesse dos grandes grupos económicos globais em actuarem
na China, o que os leva a estreitar relações de compromisso com o poder de Pequim
(Qiu, 2011: 154-155).
Num contexto destes, com real asfixia de tudo o que dificilmente
o regime poderá tolerar, ganham margem de manobra no ciberespaço chinês
tendências induzidas pelo próprio desenvolvimento da sociedade chinesa.
Refiro-me, por um lado, à emergência do consumismo
e da mundividência que ele transporta consigo e, por outro, ao nacionalismo, enquanto expressão de uma
vontade nacional de desenvolvimento rápido promovido pelas tecnologias da
informação e de afirmação no contexto mundial, relançando a China como potência
tecnologicamente avançada, mas também enquanto ideologia política muito interessante para o poder político
instalado. Jack Qiu considera que estas duas referências definem o essencial da
identificação do universo dos internautas chineses[4].
A situação chinesa, do ponto de vista da rede, tem estado,
portanto, sob controlo, pelos vários factores já identificados, entre os quais
o consumismo e o nacionalismo, a atraente dimensão
do mercado chinês, o regresso de emigrantes em condições de alavancarem a
economia chinesa, as relações com as empresas multinacionais. Mas, como diz
Qiu,
«mantém-se a promessa de que a rede traga maior liberdade ao
Reino Médio, porque, concomitantemente com o auge tecnológico, uma sociedade
civil madura está a emergir decididamente no mundo virtual e na realidade da
China contemporânea. À medida que continuem proliferando as limitações
políticas e económicas, a esfera das comunicações não reguladas continuará a
expandir-se em direções imprevistas porque, fundamentalmente,
são as necessidades de informação de milhões de internautas chineses as que
produzem formas criativas de alcançar a informação» (2011: 160; itálico
meu).
Certamente. Mas aqui estamos num universo politicamente fechado,
onde a rede, sendo desejada, pelos adeptos do desenvolvimento acelerado, é
também temida pela sua potência libertadora, numa sociedade onde a comunicação
é entendida como simples meio instrumental, seja como alavanca de
desenvolvimento económico seja como canal veículo de propaganda, mas nunca como
ambiente onde se constrói a dinâmica do poder legítimo e onde se pode afirmar a
liberdade a partir do indivíduo singular.
Combinados os factores que poderão limitar os efeitos
disruptivos da rede sobre o sistema político chinês poder-se-á supor que, no
essencial, a situação até poderá ser controlada pelas autoridades de Pequim. O enorme dispositivo de controlo tecnológico
da rede, que poderá até contar com a ajuda silenciosa das grandes
multinacionais, o quadro político-cultural chinês com hegemonia da ideologia
oficial, o complexo do sistema mediático de comunicação controlado pelo poder
político, a emergência de uma nova ideologia do consumo decorrente do crescente
afluxo de novos bens de consumo, tangíveis e intangíveis, à sociedade chinesa,
o despertar de um nacionalismo de «grandeur» nacional de inspiração
desenvolvimentista e de potência mundial, acarinhado pelo poder de Pequim –
tudo isto poderá abrir um quadro evolutivo da rede e de conteúdos que poderão
ser inteligentemente harmonizados, por um lado, com uma nova sociedade de
mercado em plena expansão e, por outro, com um ordenamento político fechado e
autoritário cada vez mais virado somente para os nós críticos do sistema. É uma
situação que merece um acompanhamento permanente, precisamente porque nela pode
residir a chave resolutora de um paradoxo que entra pelos olhos de todos nós.
Sobretudo quando assistimos nas sociedades ocidentais livres à emergência
política da rede com efeitos verdadeiramente disruptivos sobre o sistema. É o
que está a acontecer em Itália, como veremos de seguida.
A
rede em ambiente democrático: o caso italiano
«È in corso una guerra tra due mondi. Tra due diverse concezioni della
realtà». [Guerra] «nascosta dai media, temuta dai polítici, contrastata dalle
organizzazioni internazionali, avversata dalle multinazionali». «Questa guerra
totale (...) è dovuta alla diffusione della rete». «I giornali stanno
scomparendo, poi verrà il turno delle televisioni... tutta l’informazione
confluirà in rete e chiunque potrà diventare prosumer, ossia al tempo
stesso produttore e fruitore dell’informazione». «La partecipazione diretta dei
cittadini alla cosa pubblica sta prendendo il posto della delega in bianco».
Isto dizem Gianroberto Casaleggio e Beppe Grillo, em «Siamo in
guerra. Per una nuova política» (2011: 3-4),
introduzindo desde logo um novo conceito para identificar o cidadão digital,
naquela que é a diferença essencial relativamente ao cidadão da era mediática: prosumer.
1. A emergência do «prosumer» político
Beppe Grillo e Gianroberto Casaleggio,
o seu «Spin Doctor», na apresentação do seu livro, estabelecem já todo um
programa: guerra entre duas concepções do mundo, induzida pela rede, que
acabará por substituir toda a velha parafernália comunicacional, onde cada
cidadão se pode tornar «prosumer» e, neste mesmo registo, se pode tornar
governante no lugar dos velhos representantes de má memória…
Aqui está o programa de uma nova
formação política quer surgiu no seio de uma democracia consolidada, num
importante País ocidental, economicamente poderoso e onde está a acontecer, de
facto, o mais importante fenómeno político da rede dos nossos dias. Fenómeno
que parece emergir num ambiente equivalente, mas consequente ao que viu surgir
Berlusconi, em 1994. Fenómenos – ambos - únicos em todo o mundo, e que
confirmam a Itália como o mais interessante laboratório político que se
conhece, pelo menos desde a Marcha sobre Roma, em 1922.
Na verdade, é possível concluir que se Berlusconi representou o último
estádio da sociedade mediática e da «democracia do público»
(veja-se, a este respeito, o meu livro sobre «Media e Poder»: Santos 2012),
Grillo surge verdadeiramente como o seu sucessor, embora num registo
alternativo, ou seja, no interior de um novo e revolucionário paradigma
comunicacional e político: o da rede. Como dizem
Ceccarini e Bordignon:
«Politics and the parties are being shaken by a deep crisis of
legitimacy. Economic problems, judicial investigations and lack of faith in the
political class recall the situation in the early 1990s, when an already
weakened system imploded under the impetus of the ‘Clean Hands’ judicial
investigations. This prompted the so-called Italian political transition towards the Second Republic. Berlusconi’s entry into politics in 1994,
and the twilight of Berlusconism that began in the Autumn of 2011, with the
fall of his government, delimit this long phase. Now, the country is witnessing
the beginning of a new transition. Where it will lead is hard to determine, but
the M5S is certainly one of the major protagonists» (Bordignon e Ceccarini, 2013).
É isto mesmo que urge compreender, a nova transição, com a rede,
depois de consolidada a superação definitiva da era dos «partidos-igreja» em
Itália (por exemplo, da DC e do PCI), por obra, certamente, da queda do Muro de
Berlim, do furacão mãos-limpas e da irrupção em cena dos media como
directos protagonistas políticos, pela mão de Silvio Berlusconi. Esta transição
durou quase vinte anos, mas não foi provavelmente uma transição para uma
estável «democracia do público», uma vez que, 19 anos depois, irrompe de novo
em cena um protagonista que já está a ameaçar os fundamentos inacabados da
revolução berlusconiana. E esse protagonista, Beppe Grilo, vem bem acompanhado,
ou seja, emerge na rede. Numa palavra, poderíamos dizer que passámos, assim, do
tempo dos «cach all media», dos «catch all parties», dos «partidos do público»
e da «democracia do público» para um novo tempo, o que vê afirmar-se cada vez
mais o modelo «digital» de comunicação e de política: «catch all net»,
com o seu novo modelo de poder, o «poder diluído», na sua moldura
digital (veja-se a este propósito Timoteo, 2005), e com um novo modelo de
cidadão: o «prosumer», produtor e consumidor de política e de
informação.
É claro que esta passagem não é
radical, embora o M5S abomine e ataque frontalmente os media
tradicionais, que, todavia, estão presentes – sobretudo a televisão - como
importantes fontes de informação. Não é radical também porque muitos – mesmo
dentro do movimento – consideram que Beppe Grillo e Gianroberto Casaleggio,
afinal, usam a rede de forma autoritária, instrumental e unidireccional,
precisamente como acontecia com os media tradicionais, sendo, por outro
lado, também certo que os restantes partidos, sobretudo o PD e o PDL, também a
usam de forma intensa. E, todavia, o Movimento Cinque Stelle representa,
de facto, uma novidade, precisamente do ponto de vista da rede. Dizem Lorenzo
Mosca e Cristian Vaccari, em «Il movimento e la rete» (Corbetta e
Gualmini, 2013), tomando em consideração o período eleitoral que ocorreu entre
2010 e 2012:
«O interesse e o consenso
conquistados pelo «Movimento 5 Stelle» e pelos seus candidatos nas eleições
autárquicas foram frequentemente considerados o sinal de uma mudança nas
modalidades e nas formas da comunicação política em Itália. Em
particular, os candidatos «5 Stelle» resultaram menos visíveis nos mass media em relação aos outros partidos principais,
mas compensaram, pelo menos em parte, esta desvantagem através da web. A
Internet foi escolhida por Beppe Grillo e pelos activistas do Movimento como a
arena principal para lançarem o desafio aos partidos, à classe política e, não
por último, ao sistema de informação. Não foi por acaso que o segundo V-Day, em
Turim, a 25 de Abril de 2008, teve como alvo a “casta dos jornalistas” e os
mass media. E é opinião comum que os eleitores do Movimento têm uma relação
particularmente estreita com a rede, muitas vezes considerada instrumento
alternativo e não complementar aos mass media, em particular à televisão, que
nas últimas duas décadas foi o coração da comunicação política em Itália»
(2013: 169).
Com efeito, se é certo que as
diferenças quantitativas entre os candidatos do Movimento e os dos dois maiores
partidos, do ponto de vista do uso da rede, não foram muito significativas, de
realçar, todavia, é a diferença no uso da rede pelos apoiantes do M5S, não só
para obtenção de informação, mas também do ponto de vista da participação
activa destes nos circuitos de informação do Movimento: «os resultados
confirmam, portanto, a hipótese de que a Internet é bem mais relevante como
fonte de informação para os apoiantes do Movimento do que para os dos outros
partidos» (2013: 184). Mas, mais: «para o M5S a Internet não é só um canal com
o qual se chega a uma parte consistente do eleitorado, evitando a mediação
jornalística. A rede é também um potente multiplicador destes conteúdos porque
activa e facilita a comunicação interpessoal dos simpatizantes do Movimento,
que utilizam intensamente os ambientes de informação e de discussão política on
line para formar e difundir as suas opiniões». «Deste ponto de vista»,
continuam os autores, é sobretudo «das dinâmicas de difusão, desde baixo, de
conteúdos e opiniões na rede, mais do que através de uma maior capacidade e
intensidade de utilização da web por parte dos seus candidatos locais, que
parece derivar o sucesso do Movimento na rede» (2013: 192-193). Ou seja, parece
não haver dúvidas de que os simpatizantes do Movimento partilham de facto de
uma «cultura de rede», ao contrário dos simpatizantes dos partidos tradicionais
que tendem a vê-la como um mero instrumento de difusão de mensagens. A diferença,
portanto, reside mais na base do que nos protagonistas. Ou seja, o Movimento
tem mais sucesso nos ambientes que vivem uma «cultura de rede» do que
propriamente nos protagonistas políticos formais. E esta é uma diferença
absolutamente vital.
Os factos
Mas vejamos os factos. O que se passou nas recentes eleições
italianas de Fevereiro de 2013 só vem confirmar, de forma muito significativa,
o que já estava a acontecer no plano das eleições locais e, sobretudo,
representa uma nova fuga para a frente, depois do que já acontecera em 1994,
com Silvio Berlusconi. Com efeito, em muito pouco tempo, um movimento saído
(quase) do nada transformou-se na primeira força política italiana. O «Movimento
Cinque Stelle», de Beppe Grillo, obteve na Câmara dos Deputados 8.689.458
votos, equivalentes a 25,55% do eleitorado que votou. Este resultado fez dele a
primeira força política italiana, à frente do Partito
Democratico (de Bersani) e de Il Popolo della Libertà (de Berlusconi). Mario Monti
(«Rigor Montis», como lhe chama, sarcasticamente, Grillo) ficou-se pelos 8,30%.
Vistas as circunstâncias, Grillo e Berlusconi foram os grandes vencedores das
eleições.
Tendo-se tornado um proscrito do sistema televisivo, depois de
ter contado na TV uma sarcástica anedota sobre os socialistas de Bettino Craxi[5],
o então Secretário-Geral do PSI, Grillo fez da sátira política o centro do seu
discurso, nas praças, teatros ou pavilhões desportivos italianos, mobilizando
um público farto da classe política, daquela «Casta» de que falam Sergio Rizzo
e Gian Antonio Stella no livro, demolidor e de estrondoso sucesso, «La Casta»
(Milano, Rizzoli, 2007, com 20 edições no mesmo ano). O seu blogue surge em
2005, mas poucos anos depois já era considerado, por The Observer e pela Revista Forbes, um dos mais
influentes do mundo. O movimento M5S é criado em 2009, iniciando a sua
movimentação nas eleições autárquicas e reforçando cada vez mais o seu peso
político (obteria 4 presidências de Câmara nas eleições autárquicas de 2012,
entre as quais a de Parma, e tornar-se-ia o maior partido na Sicília). Não se
trata de um movimento qualquer. Movimento da rede, vive da revolta ética e de
uma retórica cómico-sarcástica contra a classe política e contra o
establishment mediático[6].
Ou melhor, contra a promiscuidade entre media
e política que sempre se verificou em Itália e que se tornou elemento central
de denúncia, de crítica e de radical rejeição por parte do M5S (Mosca e
Vaccari, 2013: 170). Portanto, nasceu, desenvolveu-se e consolidou-se na rede: beppegrillo.it.
Tal como Berlusconi, também Grillo se alimenta da revolta ética, mas no
interior de um novo paradigma: movimento digital, procura dar voz à novíssima
onda dos «indignados». Do que se trata é de algo muito forte que vem emergindo
na sociedade, sem que os agentes tradicionais (partidos) lhe estejam a dar a
devida atenção, não só incorporando esta nova lógica da comunicação, sem fins
puramente instrumentais, mas sobretudo reconfigurando-se radicalmente em função
do novo paradigma emergente. Este Movimento, que nasce no interior deste novo
paradigma, acabou por captar eleitoralmente significativas faixas eleitorais
provenientes quer do centro-esquerda quer do centro-direita[7],
demonstrando, assim, assumir uma clara identidade pós-ideológica. Um movimento
que, à semelhança do que acontecera com Berlusconi, e mais em geral com os
movimentos de inspiração populista, surge num ambiente de profunda crise
política e económico-financeira e aponta o dedo em riste, perante os italianos,
aos culpados: o establishment político
e o establishment mediático. Ou seja,
aponta o dedo aos dois elementos centrais do sistema político.
Neopopulismo digital?
Esta questão – a do populismo – é, de facto, levantada por
vários autores. Por exemplo, por Roberto Biorcio e Paolo Natale (2013) ou por
Piorgiorgio Corbetta (2013). Vejamos, com Corbetta, esta questão.
É verdade que as tendências populistas nascem e crescem em
ambientes de grande incerteza, de crise e de forte desgaste das instituições, o
que, de certo modo, se verificou quer no caso de Berlusconi (com
«tangentopoli») quer no caso de Grillo. Corbetta di-lo e desenvolve uma
interessante análise de verificação da natureza do M5S relativamente ao
populismo. Por um lado, reconhece que o M5S alinha mais com a tendência a repor
a centralidade da ideia de «povo-soberano» do que as que propõem a centralidade
do «povo-classe» ou do «povo-nação». O «povo-soberano» retomaria assim a
soberania nas suas mãos, retirando-a dos representantes. As outras duas ideias
estariam longe do M5S porque nem ele se reconhece, por um lado, como
representante dos excluídos e marginalizados do processo de desenvolvimento
nem, por outro lado, exibe uma identidade comunitária assente em afinidades
culturais, linguísticas, de sangue, históricas, etc.. Neste sentido, o M5S
exibe uma identidade política muito clara: contra a representação política,
contra o mandato não imperativo. Mas ele exibe também outra característica afim
aos movimentos populistas, a do líder carismático, qual substituto da classe
dos representantes e intérprete oracular e legítimo dos sentimentos difusos do
povo soberano. O líder seria, então, o depositário de um mandato fiduciário
para agir em nome do povo, não com a lógica racional da representação, mas com
a pulsão emocional de uma pertença imanente ao povo. Esta característica
própria dos populismos ganha, todavia, no M5S uma originalidade que não existia
antes: o povo-soberano tem hoje, através da rede, canais permanentes de
expressão da sua vontade junto do líder e dos «comissários» que não existiam
antes e que podem dar expressão a uma prática
deliberativa mais avançada do que a velha representação política exclusiva.
E esta é uma característica nova, relativamente aos populismos clássicos. Por
outro lado, o recurso a esta nova tecnologia de participação política inaugura
também uma outra novidade em relação ao passado. Ou seja, quando os populismos
tendiam sempre a exprimir a voz dos excluídos do progresso, daqueles que
estavam a ficar à margem do movimento histórico, assumindo-se generalizadamente
como anti-modernos, o M5S apresenta-se precisamente como o porta-voz da
modernidade: «como se pode facilmente ver, com o M5S encontramo-nos num planeta
completamente diferente: o povo ao qual apela Beppe Grillo não «é o povo
“simples e humilde”, mas é o povo sofisticado da web; não nasce do desconforto
perante a modernidade, mas da própria modernidade» (Corbetta, 2013: 203). Ou
seja, o M5S apresenta originalidades tão significativas em relação aos velhos
populismos que o colocam muito longe dessa tradição: moderno ou mesmo
«pós-moderno», praticante de uma
autêntica «cidadania activa» através da rede e fautor de uma nova «democracia
deliberativa» que tem o líder como garante, sim, mas que acciona uma permanente
participação do povo soberano na decisão política. É neste sentido que o M5S
promove uma autêntica reviravolta no processo político: não procura enxertar mecanismos de democracia directa no sistema
representativo, antes procurando enxertar o sistema «representativo» na
democracia directa, naturalmente alterando profundamente a natureza do
próprio mandato (Corbetta, 2013: 197-214; veja-se também Biorcio e Natale,
2013: 135-151).
Catch all Net
A verdade é que se Berlusconi representou, a seu tempo, uma
viragem relativamente à forma tradicional de fazer política, radicalizando o
modelo mediático de comunicação política, «catch all media», que em
teoria política se chama «catch all party», e invertendo a fórmula
clássica da relação entre a oferta e a procura (a procura passava a anteceder
a oferta, exactamente ao contrário do que acontecia na fórmula clássica),
agora, Beppe Grillo está a fazê-lo também, mas traduzindo em política a
emergência da rede nas nossas vidas e a sua extraordinária capacidade de
mobilização instantânea, apelando a todos sob a forma de apelo a cada um,
individualizado: «catch all net». Castells chama-lhe «mass-self
communication», comunicação
individual de massas. Grillo e Casaleggio enunciam, em «Siamo in Guerra», aquela que eles
definem como a «lei da rede»: «cada um vale um». A rede permite, de facto, a emergência da singularidade, sem recurso a organizações, apoios,
gatekeepers, dinheiro: «somos todos jornalistas», diz Grillo. Requer,
simplesmente, genialidade individual, recursos intelectuais, criatividade,
inovação na narrativa. Grillo começa a propor formas de democracia
pós-representativa, ou seja, à medida que vai criticando a velha forma de representação
política separada - «to change [Italy], politicians have to be replaced by the
citizens» - propõe, no programa político que apresentou aos italianos[8],
uma «cidadania digital» obtida à nascença e concretizada através de um acesso
universalmente gratuito à rede: «cittadinanza digitale per nascita, accesso
alla rete gratuito per ogni cittadino italiano». Por outro lado, as
decisões relevantes são postas à discussão no sítio do M5S. Os temas - para além (a) da crítica
às elites políticas e mediáticas, (b) da promoção de uma cidadania digital que
substitua a velha representação centrada na separação
entre governantes e governados e entre produtores de informação e
cidadãos[9] e (c) da
promoção da rede e dos instrumentos digitais como meios de libertação -são mais próprios dos movimentos do que dos
partidos e mais próximos das «policies» locais do que das nacionais[10]: água, ambiente
sustentável, energia, transportes, desenvolvimento, alimentos de qualidade,
conectividade, serviços sociais. Os cinco primeiros objectivos correspondem,
como diz Elisabetta Gualmini (Corbetta e Gualmini, 2013: 12; veja-se também
Vignati, 2013: 48-49), às cinco estrelas inscritas no nome de um movimento, o
M5S, que não é verdadeiramente um partido. Melhor: que é uma não-associação,
como se autodefine[11].
Na verdade, o M5S, tal como o define o sítio do movimento (agora em
beppegrillo.it), é:
«una
libera associazione di cittadini. Non è un partito politico nè si intende che
lo diventi in futuro. Non ideologie di sinistra o di destra, ma idee. Vuole
realizzare un efficiente ed efficace scambio di opinioni e confronto
democratico al di fuori di legami associativi e partitici e senza la mediazione
di organismi direttivi o rappresentativi, riconoscendo alla totalità dei
cittadini il ruolo di governo ed indirizzo normalmente attribuito a pochi».
Como se vê, o M5S é uma «livre associação», ou
seja, uma associação aberta a todos os cidadãos, sem as mediações de estrutura
próprias de partidos ou associações que filtrem os actos de uma cidadania
livre, através de uma dinâmica representativa. À totalidade dos cidadãos está
confiada aquela capacidade de orientação e de governo que antes estava confiada
somente aos representantes. E como? Através da Rede. O processo está descrito no «Código
de Comportamento dos Eleitos do Movimento 5 Estrelas no Parlamento»:
«L’obiettivo principale dei parlamentari eletti è l’attuazione del Programma
del M5S, in particolare per i
principi della democrazia diretta come il referendum propositivo senza
quorum, l’obbligatorietà della discussione parlamentare con voto palese
delle proposte di legge popolare e l’elezione diretta del parlamentare». Os cidadãos poderão votar, na Rede (no Portal do Movimento), propostas de lei
que, em certas condições, deverão depois ser apresentadas pelo Grupo Parlamentar do MoVimento:
«Le
richieste di proposte di legge originate dal portale del MoVimento 5 Stelle
attraverso gli iscritti dovranno obbligatoriamente essere portate in aula se
votate da almeno il 20% dei partecipanti. I gruppi parlamentari potranno
comunque valutare ogni singola proposta anche se sotto la soglia del 20%».
Não há, pois, dúvida de que o M5S se constituiu como um canal de comunicação da cidadania
com a mais alta instância do poder, da forma mais expedita de que há memória,
através da rede, dando uma nova configuração ao velho mecanismo de iniciativa popular, agilizando-o, não só
através da funcionalização do grupo parlamentar ao instituto da iniciativa
popular, mas também baixando drasticamente as exigências regulamentares,
designadamente no número de intervenientes no processo. Vejamos uma simples
amostra das exigências do mecanismo de iniciativa popular em Portugal, Espanha,
Itália e Brasil:
1. em Portugal, são necessários 35.000 eleitores intervenientes
no instituto da iniciativa popular, designado por
«iniciativa legislativa dos cidadãos» (n.º 1, art. 6, Lei
17/2003, de 4.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2012, de 24.07);
2. em Espanha são
necessárias assinaturas de 500.000 eleitores (n.º 3 do art. 87 da Constituição
espanhola);
3. em Itália são necessárias 50 mil assinaturas (art. 71 da
Constituição italiana);
4. no Brasil é necessário 1%
dos eleitores, distribuído por um mínimo de 5 Estados federados (§2
do art. 61 da Constituição brasileira) .
Se o instituto
da iniciativa popular, tal como o referendo, era um instituto de democracia
directa enxertado no sistema representativo, esta prática do M5S parece
inscrever-se numa lógica inversa, a de usar instrumentalmente o sistema
representativo para introduzir em pleno a democracia digital directa. «Obiettivo, nemmeno
tanto implícito», dizem Gianluca Passarelli, Filippo Tronconi e Dario Tuorto,
em «Una rivoluzione democratica o solo un altro partito?» (Corbetta e
Gualmini, 2013: 123), «è quello di innescare una rivoluzione democratica,
improntata alla partecipazione diretta dei cittadini nella gestione della cosa
pubblica, in antitesi con il modello di democrazia rappresentativa». É como se o espaço público deliberativo digital
passasse a estar dotado de comissários junto das instituições capazes de accionar institucionalmente as deliberações.
Este sistema representaria, assim, o regresso do vínculo de mandato e o fim do
mandato não imperativo, anulando aqueles que são os princípios base do próprio
sistema representativo.
Democracia digital
O M5S, por um lado, não surgiu promovido pelos «media» e, por
outro, não resultou directamente de movimentos orgânicos. O «M5S», de beppegrillo.it, é um movimento
que nasceu, cresceu e se desenvolveu na rede, sobretudo a partir do Blog de
Beppe Grillo e do Meetup
de 2009, sob a batuta do cómico-político, único proprietário da «marca»
«MoVimento 5 Stelle» («Il nome del MoVimento 5 Stelle viene abbinato a un
contrassegno registrato a nome di Beppe Grillo, unico titolare dei diritti
d’uso dello stesso»), ainda que apoiado pela empresa de Gianroberto Casaleggio,
a «Casaleggio Associati», que lhe prepara e desenvolve todo o processo
organizativo e comunicacional. A seu tempo, já fora muito estranho que um
empresário de «media», através de uma auto-organização política desenvolvida ao
longo de cerca de nove meses, acabasse por chegar a Primeiro-Ministro, rompendo
com uma antiga tradição de separação
funcional entre gestão da economia e gestão política. A sua retórica fora a
mesma de Grillo: fora com os «politicanti senza mestiere», os politiqueiros sem
profissão! Uma retórica fundada na revolta ética contra a velha classe
dirigente devastada pelo furacão de «tangentopoli», sobretudo democratas
cristãos e socialistas, mas fundada também na exigência de entregar a política
a pessoas que tivessem profissão fora da política. O mesmo que agora
reivindica, de forma mais radical e alargada, Beppe Grillo. Berlusconi quis
tirar a gestão política das mãos dos políticos «sem profissão», entregando-a a
profissionais de sucesso, como ele próprio. Grillo quer entregar a política aos
cidadãos, acabando com a representação. O primeiro vivia no mundo dos «media»
e, a partir daí, fez o assalto ao Poder, concebendo a política como
«continuação do audiovisual por outros meios». Agora, o segundo, que já vive no
mundo da rede e que recusa também o establishment mediático (no Código de comportamento
dos eleitos do M5S no Parlamento existe uma cláusula que aconselha os Deputados
a evitar os «talk shows» televisivos: «Evitare la partecipazione ai talk show televisivi»), quer acabar de vez
com a representação política, transformando a democracia italiana em
«democracia digital». Se o primeiro ainda via a política como assunto de
elites, o segundo vê-a como assunto de cidadãos ou, melhor, de internautas.
Grillo fala de «cidadania digital» e de acesso universal gratuito à rede. E o
seu «spin doctor», Gianroberto Casaleggio, até já publicou um vídeo com as
grandes linhas da nova utopia: «gaia - the future of politics». (http://www.youtube.com/watch?v=sV8MwBXmewU ).
Conclusão
Não há dúvida que o caso italiano confirma o que muitos vêm
dizendo há muito tempo. Ou seja, que a política não só já não pode prescindir
da rede, como também já não pode prescindir da lógica que a rede induz: a
lógica de um «poder diluído» (Jesús Timoteo) que é mais amigo do indivíduo
singular do que das grandes organizações, políticas ou mediáticas. Pelo menos,
no que diz respeito ao processo de formação do consenso. Este processo já não
pode ser abordado com a lógica das grandes organizações, mas sim com a lógica
da rede, que é a do indivíduo singular e interactivo. Ou seja, a rede não é um
mero instrumento – igual aos outros – para chegar ao maior número possível de
eleitores. Ela é muito mais. Foi por isso que a partir dela se começou
a construir muitas utopias de democracia directa. O M5S está a tentar
fazê-lo no seu interior. Só que a coisa está a revelar-se muito complexa,
sobretudo após as recentes eleições legislativas, quando o M5S foi convocado,
de forma muito substancial, à gestão de um poder institucional dotado de regras
muito bem definidas para o exercício do poder. Se é verdade que no processo de
construção do consenso a rede é cada vez mais decisiva, também é verdade que
não só a lógica de poder diluído que ela induz é altamente problemática: (a) quando se trata de gerir o poder
institucional, (b) com as
regras que o próprio exercício decisional no interior das instituições
políticas supõe, (c) com as teias de compromissos que a
decisão política exige, (d) com as malhas constitucionais que
delimitam o alcance das decisões, (e) com os corpos sociais organizados em
torno dos seus interesses e das suas indiossincrasias e (f) com a velocidade de decisão necessária
e os imprevistos que sempre acompanham o exercício do poder!
A experiência de Grillo será muito útil para se compreender a
outra face da Rede, ou seja, a do directo embate com a concreta gestão do
poder. Se é claro o papel da rede no processo de acesso ao poder, já não é
assim tão clara a conversão deste mesmo processo em termos gestão ou de
exercício do poder institucional. E a grande questão reside numa simples
palavra: representação[12]. Conhecendo a
longa história da representação política (formulada admiravelmente por Locke,
em 1790, no último parágrafo do «Segundo Tratado sobre o Governo, §243), as
razões do seu aparecimento, não será fácil superá-la, ainda que hoje
disponhamos de meios fantásticos de decisão on line, seguros e velocíssimos. E
a razão é verdadeiramente prosaica: tem a generalidade dos cidadãos as
competências, o saber e a disponibilidade para entrar no complexo e absorvente
circuito do processo decisional público? E as lideranças carismáticas poderão
constituir a melhor garantia de processamento democrático da decisão pública? O
exemplo do M5S, dotado de dois consistentes grupos parlamentares no Parlamento
Italiano, será muito importante para compreendermos as verdadeiras vias da nova
transição.
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[3] Os acessos são
feitos a partir de casa (63%), dos escritórios (43%) e dos cibercafés (20%)
(Qiu, 2011: 145).
[4] Mas veja-se também
o que diz Castells, em «Comunicación y Poder», sobre o assunto, indo na mesma
direcção de Qiu: «Entre los estudiantes y los jóvenes en general, la principal
ideologia política que genera una gran simpatia es el nacionalismo,
especialmente contra Japón y Taiwán». (…) «Si a esto sumamos el echo de que más de dos tercios del uso de
Internet en China es para entretenimiento, y que la principal preocupación de
los urbanitas con educación, que son el grueso de los usuarios de Internet, es el consumo, muy bien pudiera ser que el
gigantesco sistema desplegado por el gobierno chino para controlar Internet sea
más bien un reflejo del pasado que una necesidad real» (Castells, 2011: 375). O que, todavia, fica
por demonstrar, em especial se não se tiver em conta a poderosa máquina da
autocensura, quando o sistema está todo ele construído com base na lógica da
proibição: «é proibido tudo aquilo que não é permitido».
[5] Novembro de 1986,
no programa Fantastico 7, Grillo
conta uma anedota sobre os socialistas de Bettino Craxi, então Presidente do
Conselho de Ministros: «La cena in Cina. C’erano tutti i
socialisti , con la delegazione, e mangiavano… A un certo momento Martelli ha
fatto una delle figure più terribili. Ha chiamato Craxi e gli ha detto: “Ma
senti un pò, qua ce n’è un miliardo e son tutti socialisti?”. E Craxi gli ha
detto: “ Sì, perché?”. “Ma, allora, se son tutti socialisti, a chi rubano?”» (Vignati, 2013: 29).
[6] Grillo já tentara, em 2008, promover três
referendos, tendo como alvo o
establishment mediático: um, para abolir a ordem dos jornalistas; outro, para
acabar com os subsídios públicos à actividade editorial e, outro, ainda, para
revogar a famosa Lei Gasparri sobre o audiovisual (que beneficiara Berlusconi)
(Vignati, 2013: 48).
[7] Nas autárquicas de 2012, 46,3% provenientes do
centro-esquerda e 39% provenientes do centro-direita (Corbetta e Gualmini,
2013: 10).
[9] Os cidadãos serão «prosumers», ou seja, ao mesmo tempo
produtores e consumidores de informação e, por isso, produtores e consumidores
de política.
[10] Como diz
Piergiorgio Corbetta, o primeiro dilema é o que contrapõe local a nacional: «o
movimento nasceu a nível político nas administrações locais, e eram estas que
os fundadores tinham em mente quando inventaram o nome da organização política,
onde as 5 estrelas significavam água, ambiente, energia, transportes,
desenvolvimento, todos temas de política a nível comunal» (Corbetta, 2013:
212). De resto, a projecção a nível nacional de algo que poderia funcionar
somente a nível local (inscrita na ideia de democracia participativa) caminha
ao lado de outro desafio mortal, ou seja a passagem de movimento político a
instituição que tem de se confrontar com as exigências da dura realidade.
[11] « Il “MoVimento 5 Stelle” è una “non
Associazione”. Rappresenta una piattaforma ed un veicolo di confronto e di
consultazione che trae origine e trova il suo epicentro nel blogwww.beppegrillo.it. La “Sede” del “MoVimento 5 Stelle” coincide con
l’indirizzo webwww.beppegrillo.it.
I
contatti con il MoVimento sono assicurati esclusivamente attraverso posta
elettronica all’indirizzo MoVimento5stelle@beppegrillo.it».
«Il
“MoVimento 5 Stelle” intende raccogliere l’esperienza maturata nell’ambito del
blog www.beppegrillo.it, dei “meetup”, delle manifestazioni ed altre iniziative
popolari e delle “Liste Civiche Certificate” e va a costituire, nell’ambito del
blog stesso, lo strumento di consultazione per l’individuazione, selezione e
scelta di quanti potranno essere candidati a promuovere le campagne di
sensibilizzazione sociale, culturale e politica promosse da Beppe Grillo così
come le proposte e le idee condivise nell’ambito del blog www.beppegrillo.it,
in occasione delle elezioni per la Camera dei Deputati, per il Senato della
Repubblica o per i Consigli Regionali e Comunali, organizzandosi e
strutturandosi attraverso la rete Internet cui viene riconosciuto un ruolo
centrale nella fase di adesione al MoVimento, consultazione, deliberazione,
decisione ed elezione. Il MoVimento 5 Stelle non è un partito politico né si
intende che lo diventi in futuro. Esso vuole essere testimone della possibilità
di realizzare un efficiente ed efficace scambio di opinioni e confronto
democratico al di fuori di legami associativi e partitici e senza la mediazione
di organismi direttivi o rappresentativi, riconoscendo alla totalità degli
utenti della Rete il ruolo di governo ed indirizzo normalmente attribuito a
pochi (www.movimento5stelle.it – Non Statuto)». Este não-estatuto foi
redigido por Beppe Grillo e pelo seu Spin Doctor Gianroberto Casaleggio
(Vignati, 2013: 40).
[12] Para uma síntese
bibliográfica sobre o «Movimento 5 stelle» veja-se Biorcio e Natale (2013:
153-154)